Minha questão é saber como o ser humano pode viver melhor, e isso só a filosofia é capaz de responder...
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Como os gregos, nós hoje achamos que uma vida mortal bem-sucedida é melhor que ter uma imortalidade fracassada, uma vida infinita e sem sentido. Buscamos uma vida boa para quem aceita lucidamente a morte sem a ajuda de uma força superior." (Luc Ferry)

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Epicuro: um olhar sobre o ateísmo tranquilo do filósofo do Jardim.

[Nb. propriedade intelectual: adaptado do texto original que se encontra aqui.]
 
"Epicuro, ele mesmo, não era ateu. Nem poderia ser. Ele não negava os deuses. Dizia apenas que os deuses não tinham importância na vida dos humanos, que se eles (os deuses) existissem, seria em outro plano, sem nenhuma relação com a terra e com quem vive nela. Por que então um olhar sobre o “ateísmo” tranqüilo de Epicuro se ele mesmo não era um ateu? 



O ateísmo tem sido muito debatido nos últimos anos [...]. Depois do livro “Deus, um delírio” de Richard Dawkins, esse entrave entre os ateus e os religiosos ficou mais comum do que nunca. Entretanto o post de hoje não é pra falar de um ateísmo militante, senão para tratar de uma questão de libertação e paz individual, um ateísmo tranquilo.
 
Epicuro, assim como outros filósofos influenciados pelo atomismo de Demócrito, propõe o contrário do que propõe o idealismo de Platão. Para Epicuro não existe dualismo, ou seja, não há separação entre alma e corpo. A alma é o corpo e vice-versa. Para ele, toda a verdade reside na carne, ou seja, nas sensações e nas afecções. Ainda contrariando Platão, Epicuro então sugere que não há universo invisível, além-mundos idealizados e nada além dos átomos da matéria.
 
Como dissemos no primeiro parágrafo, por uma questão criteriosa do sentido da palavra ateu, Epicuro não pode ser considerado um negador dos deuses, já que ele admite a possibilidade de eles existirem em algum lugar nos cosmos. Entretanto seus ensinamentos são um convite direto ao fim dos principais temores que atormentam o pensamento humano e, interpretativamente, a um ateísmo tranqüilo, desprovido de função militante. Seria mais ou menos assim: não vou perder tempo tentando provar que os deuses definitivamente não existem; há coisas mais importantes para serem refletidas e analisadas antes disso, apenas deixemos os deuses de lado.
 
Epicuro entende que muitos temores se devem aos deuses; prováveis punições, julgamentos, castigos, pedidos não atendidos que viram paranóia como: pedi algo a deus e não fui agraciado; será que fiz algo errado? Pequei? Estou sendo punido? O que me espera quando eu morrer? Daí surgem os diversos tipos de recalques, paranóias, psicoses e outras doenças que geram desprazeres, e portanto um grande mal para Epicuro. Sem contar que os temores por si só impedem o homem de desfrutar a ataraxia proposta por ele, ou seja, o estado de tranqüilidade. Pois então deixemos os deuses de lado; não há nada a temer em relação aos deuses. E metade dos nossos temores vai embora.
 
A outra metade dos temores é, segundo Epicuro, o temor da morte. Em sua receita terapêutica infalível até hoje, ele esclarece: se eu estou presente, a morte não está. Se a morte está presente, eu não estou. Ou seja, tudo reside nas sensações, se eu estou morto eu não tenho consciência, não tenho mais sensações; não vou desejar estar vivo e nem vou sentir medo, não vou sentir nada; não vou saber que estou morto.
 
Qual a razão então em sofrer antecipadamente por alguma coisa que eu não vou sentir? A única coisa que pode fazer sofrer é a idéia de que fazemos da morte enquanto vivos. A própria morte, em si, não pode fazer sofrer, nunca a encontramos.
 
Eliminando essas duas metades que compõem os maiores temores que podem visitar o pensamento humano, o caminho fica livre para a possibilidade de viver uma vida de prazeres. (comedidos, calculados, conscientes, éticos – não cometamos o erro de entender, como seus inimigos sempre quiseram caricaturar, o epicurismo como algo desvirtuoso e vulgar)
 
Podemos enxergar então em Epicuro um “ateísmo tranqüilo” (expressão proposta por Gilles Deleuze em seu livro Péricles e Verdi), um ateísmo onde o principal motor não é o embate com os religiosos, a denúncia das atrocidades cometidas pelas religiões em nome de um deus e etc. Em Epicuro o ateísmo é uma resposta dura ao idealismo de Platão e é necessário para libertar o homem dos principais temores e deixar o caminho aberto para a fruição dos prazeres."
 
“Platão inventa uma mitologia útil para manter os homens no medo, na angústia e no terror. Esses medos e temores fornecem uma humanidade maleável, medrosa, fácil de conduzir. Alienada, por certo, mas dócil, disponível para a obediência, a submissão e a renúncia a si mesma. Epicuro não quer homens assim: ele os quer autônomos, curados das superstições, libertos.”
Michel Onfray em seu ‘Contra-História da Filosofia’

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