Minha questão é saber como o ser humano pode viver melhor, e isso só a filosofia é capaz de responder...
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Como os gregos, nós hoje achamos que uma vida mortal bem-sucedida é melhor que ter uma imortalidade fracassada, uma vida infinita e sem sentido. Buscamos uma vida boa para quem aceita lucidamente a morte sem a ajuda de uma força superior." (Luc Ferry)

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Fé é fidelidade. É praticar o que se prega.


De toda a apologética teológica, o mais importante conselho é também o mais subestimado. O argumento mais convincente é o que é feito sem palavras. A palavra nunca basta. Com frequência dizemos uma coisa e fazemos outra. Proclamamos mudanças de vida, mas estamos constantemente a reincidir em nossos velhos hábitos.
O exercício da convivência com o outro expõe claramente esse estado de coisas e nos indica o quanto há a percorrer, a meditar. Muitos nos achamos salvos, com frequência por algo fora de nós mesmos. Algo que nos perdoará sempre, sob quaisquer circunstâncias. Mas mesmo nos achando salvos, muitas vezes, nos pegamos irritados, nervosos, descentrados, entristecidos, aborrecidos e entediados conosco e com nossos próximos.

Insistimos em viver nossas vidas num oceano de vaidades, de insegurança e de desamor. Aceitamos isso com resignação pois pretendemos que o espírito nos salvará um dia desse mar de lágrimas, de nosso corpo "diabólico", dessas nossas falas, desses nossos gestos e comportamentos. E assim vamos vivendo como seres divididos, corpo escondido atrás da máscara do espírito.

A separação platônico/cartesiana espírito-corpo é a expressão clara da dualidade do nosso ser. Ela justifica a constante luta na busca do controle do corpo pecador pelo espírito obstinado. Convictos de sermos essa dualidade, poucos de nós chamamos para nós mesmos a responsabilidade pela salvação de nossa vida na terra.

Como cristãos, quando nos esforçamos em ser testemunhos para outros, o que estamos realmente dizendo é que a nossa vida é regida pelo exemplo de Cristo. Por um conjunto de crenças e doutrinas reveladas por Cristo. Recomendamos a outros que também aceitem essas mesmas crenças, doutrinas e fé. Que os levaria a um estilo de vida preferível ao que eles já estão vivendo. Mas, se nosso estilo de vida como apologistas não reflete isso, o que estamos realmente dizendo às pessoas? Se nosso estilo de vida não é diferente do deles, o que isso realmente quer dizer sobre as nossas crenças, doutrinas e fé?
Com frequência, a principal queixa contra o cristianismo é a hipocrisia. Para muitos ateus, a ideia de que ser cristãos nos torna boas pessoas é tão boba quanto achar um mentiroso sincero.

Ao invés de nos crermos escolhidos e protegidos pelo amor de Deus, de agirmos como seres arrogantes que se creem minideuses, reconheçamos que somos todos humanos, todos falíveis e fracos em nossos próprios caminhos. Reconheçamos isso e a partir daí tenhamos fé. Mas não qualquer fé. Refiro-me à fé de acreditar que o homem está destinado a levar uma vida melhor, menos sofrida e mais serena, tranquila, de coração apaziguado e integrado ao universo cósmico. Essa fé não significa necessariamente acreditar que há algo/alguém fora do universo, algo transcendente, que me indica o caminho e me salva, apesar de mim mesmo, apesar de meus erros, mentiras e traições. A salvação por essa fé vem do interior do ser próprio e do ser humanidade. Essa fé emancipa, transforma a realidade do ser, o humaniza e mostra o caminho de união com o Todo, através de ações conscientemente plenas, saudáveis, amorosas e cuidadosas.

Mais valeria reconhecer esse estado de penúria e colocar-se inteiros (e não divididos) no caminho da unidade consigo mesmo e com o cosmos. Entretanto, através de nossas ações, estamos a minar qualquer argumento apologético, a doutrina, a crença e até mesmo a nossa própria fé proclamada. A apologética não deveria ser sobre conquistar uma mentalidade obstinada, um espírito em constante luta contra o corpo que o hospeda, que abomina a falta de lógica do corpo. A apologética é respeitar o velho ditado "pratica o que prega" e é, de longe, o menos refletido de todos os métodos apologéticos - e por boas razões, porque é o mais difícil. Enquanto dizemos a outros para reconhecer suas próprias falhas, estamos muitas vezes mostrando as nossas. E, embora elas estejam bem debaixo do nosso nariz, nós muitas vezes não as reconhecemos plenamente.

Diz-se sempre que a salvação pela fé é um dom, mas muitas vezes dizemos isso sem entender o que realmente significa. Aqueles que tem fé dizem isso com tanta frequência que perdem de vista o princípio real envolvido.