Minha questão é saber como o ser humano pode viver melhor, e isso só a filosofia é capaz de responder...
"
Como os gregos, nós hoje achamos que uma vida mortal bem-sucedida é melhor que ter uma imortalidade fracassada, uma vida infinita e sem sentido. Buscamos uma vida boa para quem aceita lucidamente a morte sem a ajuda de uma força superior." (Luc Ferry)

terça-feira, 31 de maio de 2011

A Arte de Cinzelar Palavras de Vida Através da Conversa

“Como os filólogos nos advertem, as palavras estão grávidas de significados existenciais. Nelas, os seres humanos acumularam infindáveis experiências, positivas e negativas, experiências de busca, de encontro, de certeza, de perplexidade e de mergulho no Ser. Precisamos desentranhar das palavras sua riqueza escondida” (L. Boff)

Texto de: Pe. Adroaldo Palaoro, SJ
Jo. 14,15-21: Este trecho do Evangelho de João faz parte de uma longa conversa de Jesus com os seus amigos durante a Última Ceia (Jo 13 a 17).
Era uma conversa amiga, que ficou na memória do discípulo amado. Jesus, assim parece, queria prolongar ao máximo esse último encontro, momento de muita intimidade. Para João, a conversa de Jesus tem uma conotação de profundidade e trato, de certa familiaridade e intimidade.
Nesta interação Jesus-discípulos, tanto os conteúdos expressos como os aspectos relacionais ganham uma grande importância: as palavras, os gestos, o olhar, a maneira de falar, o tom da voz, os silêncios, o contexto onde acontece a conversação...; tudo isso forma parte da diversidade e riqueza da revelação de Jesus aos seus mais íntimos. Jesus extrai palavras significativas, previamente cinzeladas e incorporadas no seu interior, onde elas revelam dinamismo, sentido e alteridade; sua conversa brota de uma vida interior fecunda e conduz a uma vida comprometida. Trata-se de um verdadeiro “testamento espiritual”
Nesta conversação Jesus não só verbaliza o que pensa, senão que também expressa o que sente. O grau de autorevelação e transparência aumenta. Esta longa conversa é uma oportunidade única para os discípulos conhecerem mais profundamente o Mestre; ao mesmo tempo lhes é dado a chance de se conectarem com o significado nem sempre consciente daquilo que Jesus quer dizer.
Nesta maneira de conversar, Jesus se manifesta tal e como é, verbalizando aspectos de si mesmo muito íntimos e pessoais. A experiência do “nós” revela um significa especial de comunhão e entrega.
A conversação constitui, portanto, o núcleo diferencial de qualidade de trato próximo e fraterno daqueles que, além de viverem juntos, compartilham a vida com um projeto comum.
O mesmo acontece hoje. Há conversa e conversa. Há conversa superficial que gasta palavras à toa e revela o vazio das pessoas. E há conversa que vai fundo no coração e fica na memória. Todos nós, de vez em quando, temos esses momentos de convivência amiga, que dilatam o coração e vão ser força na hora das dificuldades. Ajudam a ter confiança e a vencer o medo.
Conversar constitui uma das experiências humanas mais antigas e configuradoras de nosso ser. Ela não se reduz a um mero intercâmbio de palavras; é um processo essencialmente ativo, inerente à nossa natu-reza relacional, cuja finalidade última é viver a experiência do encontro.
Conversar é uma das aprendizagens vitais que não tem data de vencimento.
A arte da conversação é um caminho pedagógico, um processo gradual que requer de nós uma capacidade de escuta, de acolher e deixar-nos tocar pelo que o outro é, não só pelo que diz; uma capacidade de olhar com profundidade para reconhecer uma história santa, um caminho de salvação. É reconhecer no outro o que há de verdadeiro, bom, formoso, e descobrir como o dinamismo de Deus atua no coração dele. É ajudá-lo a descobrir, na trama de sua vida, as motivações profundas que o levam a ser e a agir de uma maneira muito pessoal.
Uma “conversação”, carregada de inspiração e sentido, brota de um coração apaixonado pelo bem do outro, de querer ajudá-lo na direção de seu fim último, de comprometê-lo intensamente em seu processo de crescimento e maturação de uma vida engajada.
Para que a pessoa possa abrir seu interior, ela deve sentir-se envolvida pelo grau de altruísmo e acolhida que o outro pode lhe manifestar. Tal comunicação centra-se no universo original da pessoa, acessado fundamentalmente através de uma comunhão de sentimentos. Trata-se de uma empatia a serviço de uma relação de ajuda segundo o critério do Evangelho. A conversação deixa, então, transparecer as convicções, os sonhos, os sentimentos... da pessoa. “As palavras me escondem sem cuidado” (Manoel Barros)
A conversação é uma experiência profundamente humana de proximidade, de conhecimento, de inter-câmbio, de ternura... um encontro entre caminhantes que vão compartilhando histórias de vida, esperanças e frustrações, vontade de transcender... Na conversação, o que importa é a pessoa do outro e não os problemas que apresenta...; ela é o lugar privilegiado de encontro e descoberta misteriosa do outro.
Conversar” e “converter-se”, etimologicamente, vem da mesma raiz. Em seu sentido mais radical e profundo “conversar” é “converter-se” ao mistério do outro, é converter-se à alteridade.
Sair dos corredores do próprio claustro interior e de seus mecanismos de defesa para converter-se em um servidor do outro, com a arma mais humana, mais sutil, mais imediata e universal, mais iluminadora e mais reveladora da própria maturidade: a palavra.
A conversação nos liberta da solidão e do fechamento, fazendo-nos crescer na transparência. As inúme-ras possibilidades de conversar são encontros que nos reconciliam com a vida, nos movem a crescer e a sair de nosso egocentrismo. Ela nos permite sentir que formamos parte da vida de outros e nos ajuda a levantar-nos quando as perdas, os fracassos, as enfermidades... tornam difícil nosso caminhar.
Conversar é uma das vias privilegiadas que temos para fazer e fazer-nos sentir que nossa vida é habitada por outros, que grande parte de nossa felicidade está no fato de sermos capazes de nos fazer presentes na vida dos outros e, ao mesmo tempo, deixar que estes se aninhem em nosso interior.
Reconhecimento, pertença, celebração da vida; sentir-se capazes de pensar autonomamente, desenvolver a própria individualidade, ser aceito e querido a partir da própria originalidade.... Cada conversação tem seu porquê, seu ritmo e seu processo.
Para chegar a conversações mais profundas e íntimas precisamos percorrer o caminho que se inicia no cotidiano e no aparentemente superficial. Encontrar-nos com os outros é uma experiência que requer seu tempo, seu espaço, seu ritmo. Nossa natureza relacional continuamente nos oferece oportunidades para conversar; depende de nós fazê-las banais ou convertê-las em experiência de vida.

Textos bíblicos: Jo. 3,1-21 2Tim. 1,6-14 Jo. 4,1-12
Na oração: O protagonista principal da conversa é o Espírito, que
                   gera em nosso interior palavras de vida e criatividade.
- Pela conversa a pessoa manifesta quem ela é. “Onde está
sua conversa, aí está seu coração”.
- Quais são suas conversas? Elas animam os outros, eleva-os, “aquecem seus corações?...
- Aguce seus sentidos, abra o coração; há tantos que não podem mais esperar, pois ansiosos aguardam uma
presença que acolha e uma palavra que os anime. 


Cinzelar
v.t. Lavrar a cinzel; esculpir.
Fig. Trabalhar com extrema precisão; aprimorar, apurar.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A gestão do conhecimento na prática

Artigo adaptado de sua publicação original na Revista HSM Management 42, janeiro/fevereiro 2004. 

Muito se fala sobre a importância do conhecimento no atual mundo dos negócios. Mas como empresas brasileiras encaram esse conceito e o traduzem em seu dia-a-dia? Pesquisa inédita realizada com executivos de grandes organizações mostra que há avanços nessa área, porém restam "territórios a ocupar".
Estamos diante de um cenário de rara complexidade, no mundo corporativo e na sociedade em geral. Fenômenos econômicos e sociais, de alcance mundial, são responsáveis pela reestruturação do ambiente de negócios. A globalização da economia, impulsionada pela tecnologia da informação e pelas comunicações, é uma realidade da qual não se pode escapar.
É nesse contexto que o conhecimento, ou melhor, que a gestão do conhecimento (KM, do inglês Knowledge Management) se transforma em um valioso recurso estratégico para a vida das pessoas e das empresas. Não é de hoje que o conhecimento desempenha papel fundamental na história. Sua aquisição e aplicação sempre representaram estímulo para as conquistas de inúmeras civilizações. No entanto, apenas "saber muito" sobre alguma coisa não proporciona, por si só, maior poder de competição para uma organização. É quando aliado a sua gestão que ele faz diferença. A criação e a implantação de processos que gerem, armazenem, gerenciem e disseminem o conhecimento representam o mais novo desafio a ser enfrentado pelas empresas. Termos como "capital intelectual", "capital humano", "capacidade inovadora", "ativos intangíveis" ou "inteligência empresarial" já fazem parte do dia-a-dia de muitos executivos.
O conceito de gestão do conhecimento parte da premissa de que todo o conhecimento existente na empresa, na cabeça das pessoas, nas veias dos processos e no coração dos departamentos, pertence também à organização. Em contrapartida, todos os colaboradores que contribuem para esse sistema podem usufruir todo o conhecimento presente na organização. 
Entendendo o que é KM
A pesquisa mostra que a maioria dos executivos ouvidos (55,9%) entende que KM é a modelagem de processos corporativos a partir do conhecimento gerado (veja gráfico 1, abaixo). 
Ou seja, KM seria a estruturação das atividades organizacionais encadeadas interna e externamente, com base em parâmetros gerados pelo monitoramento constante dos ambientes interno e externo (mercado, cadeia de valor etc.). Dessa forma, para a maioria das empresas, KM é um sistema de gerenciamento corporativo. Elas afirmam, corretamente, que se trata muito mais de um conceito gerencial do que de uma ferramenta tecnológica (esta é a opinião de 7,2%). No entanto, apenas pequena parcela dos entrevistados (5,4%) identifica KM como um meio pelo qual as empresas podem ganhar poder de competição. KM significa organizar e sistematizar, em todos os pontos de contato, a capacidade da empresa de captar, gerar, criar, analisar, traduzir, transformar, modelar, armazenar, disseminar, implantar e gerenciar a informação, tanto interna como externa. Essa informação deve ser transformada efetivamente em conhecimento e distribuída - tornando-se acessível - aos interessados. A informação aplicada, o conhecimento, passa a ser um ativo da empresa e não mais um suporte à tomada de decisão. Essa realidade já é percebida, pelo menos em parte, pela maioria das empresas brasileiras ouvidas. Quando perguntadas sobre o impacto que a correta gestão do conhecimento trará para as empresas de seu setor nos próximos anos, quase a metade respondeu que as organizações que adotarem a prática da gestão do conhecimento serão as vencedoras (veja Gráfico 2, abaixo).
Outro impacto positivo apontado é a longevidade, ou seja, a capacidade de sobrevivência das empresas.
O KM nas organizações
A conscientização dos executivos entrevistados quanto à importância do KM nas organizações se reflete no número de empresas que já adotam alguma prática de gestão do conhecimento, seja formal ou informal: 57,7%. E, das que não adotam, a maioria pretende fazê-lo (veja gráfico 3 e quadro sobre metodologia, na página seguinte). Os departamentos ou áreas organizacionais que mais se envolvem - ou que mais seriam envolvidos no caso de implantação - em projetos de KM, segundo os executivos entrevistados, são: alta gestão (95,2%), recursos humanos (77,4%) e tecnologia da informação (72%) (veja gráfico 4).
Cada vez mais os executivos entendem a função da tecnologia da informação (TI) e seus serviços como meios para o sucesso de uma estratégia, e não como um fim em si mesmo. Também admitem a necessidade de alinhamento da tecnologia com os processos da empresa e com as questões relativas a pessoas. Isso fica evidente nas respostas sobre o envolvimento da área de TI em projetos passados ou futuros de gestão do conhecimento, que foi superado pelo da alta gestão e pelo de RH.
O papel da área de TI é de suporte à gestão do conhecimento. Seu desafio é identificar e/ou desenvolver e implantar tecnologias e sistemas de informação que dêem apoio à comunicação empresarial e à troca de ideias e experiências. Isso facilita e incentiva as pessoas a se unir, a tomar parte de grupos e a se renovar em redes informais de aquisição e troca de conhecimento, além de compartilhar problemas, perspectivas, ideias e soluções em seu dia-a-dia profissional.
A área de RH foi sabiamente indicada pelos entrevistados como importante participante em projetos de gestão do conhecimento, já que idealmente é responsável pela definição, desenvolvimento e implantação de estratégias que tratam de aspectos relacionados às pessoas integrantes da organização. Muitos entendem com naturalidade que os funcionários são cruciais para o sucesso da implantação de projetos de KM, estejam eles no papel de usuários ou de fornecedores de conhecimento. Assim como a TI, o RH tem papel de apoio em projetos de gestão do conhecimento.
Não se pode esquecer a importância do envolvimento da alta gestão nos projetos do KM.
Empresas de grande porte responderam à pesquisa
Metodologia
A pesquisa foi realizada nos meses de setembro, outubro e novembro de 2003. Contou com uma amostra de entrevistados composta por executivos de 200 empresas de grande porte sediadas no Brasil, nacionais e multinacionais, de diversos setores da economia (veja gráfico ao lado).
As empresas foram escolhidas de acordo com a importância que têm em seus segmentos de atuação e conforme o estágio em que se encontram no desenvolvimento da gestão do conhecimento.
Apesar de representar a diversidade da economia brasileira, a amostra não pode ser considerada uma "média nacional", devido ao elevado contato que essas empresas apresentam com a prática de KM.
Distribuição das empresas por setor
Resultados obtidos com o KM
Numa questão em que os entrevistados podiam apontar todos os benefícios já alcançados ou esperados com a adoção de KM, 80,2% indicaram que o melhor aproveitamento do conhecimento já existente em suas organizações é um dos principais resultados obtidos com a gestão do conhecimento (veja gráfico 5). Em segundo lugar, os profissionais elegeram a vantagem de diferenciação em relação aos demais participantes do mercado (76%).
Outra vantagem do KM apontada pelos entrevistados é o melhor time-to-market que pode ser conferido ao corpo executivo das empresas, cuja capacidade de tomada de decisão com rapidez e eficiência é maximizada. Tal resultado pode ser ainda mais positivo quando as organizações combinam gestão do conhecimento com o processo de inteligência competitiva (processo de monitoramento dos ambientes competitivo, concorrencial e organizacional, visando subsidiar o processo decisório e o alcance das metas estratégicas de uma empresa).
A ferramenta de gestão Balanced Scorecard (BSC) se mostrou o indicador preferido para a medição dos resultados alcançados pela prática de KM, sendo mencionada por 46,1% dos entrevistados.
Pesquisas subjetivas costumam ser utilizadas de forma complementar (39,8%) e indicadores financeiros como o ROI (sigla em inglês de retorno sobre o investimento) e o TCO (custo total de propriedade) são um pouco menos utilizados, com 34,2% e 28,6% das citações, respectivamente. Acreditamos que esse resultado se explica pelo fato de indicadores como o BSC, voltados para detectar a evolução de ativos intangíveis, serem mais adequados para avaliar os resultados obtidos com o KM.
O alinhamento estratégico de um projeto de KM deve potencializar os objetivos de médio e longo prazos da organização, permitindo aferir resultados diretos e indiretos, tangíveis e intangíveis. As condições específicas de cada empresa e as características do mercado em que ela atua balizam a política a ser adotada nesse campo. Para a maximização do resultado, propomos que projetos de gestão do conhecimento se iniciem por áreas ou processos que possam ter impacto mais relevante e abrangente na organização. Eles devem ser priorizados em função da melhor relação custo-benefício sob as óticas operacional, financeira e de impacto nas estratégias futuras mais relevantes.
Fontes de conhecimento e ferramentas
Quando solicitados a ordenar as fontes de conhecimento de suas empresas de acordo com a importância, a grande maioria dos entrevistados (83,7%) apontou sua própria organização como sendo a principal delas(veja gráfico 6).
Pode-se inferir, assim, que as empresas reconhecem que o conhecimento necessário para mantê-las competitivas no mercado e melhorar significativamente seu desempenho já se encontra, em boa parte, dentro da própria empresa -perdido nos "labirintos corporativos", depositado em bancos de dados abandonados. E isso reforça a idéia de que o caminho a seguir não é a geração do conhecimento, mas sim seu gerenciamento (identificação, classificação em categorias, armazenamento, beneficiamento, disseminação e uso).
Os executivos entrevistados reconhecem que o conhecimento inerente às empresas é o que pode ser mais bem aproveitado, mas outras fontes de conhecimento, tais como fornecedores, Internet, consultorias, relatórios financeiros de concorrentes, universidades, também foram bastante citadas. Isso mostra que as fontes precisam ser complementares e que as empresas não devem contar apenas com o que é proveniente de uma única origem.
Envolvimento de departamentos nos projetos de KM
A pesquisa aponta que a ferramenta mais freqüentemente utilizada para disseminação do conhecimento nas organizações ainda é o e-mail, indicado por 84,2% dos entrevistados (veja gráfico 7). Isso acontece, provavelmente, em razão de sua simplicidade.
Outras ferramentas que merecem destaque são os fóruns (46,3%) e as listas de discussão (29%). As duas foram apontadas como ferramentas essenciais para a prática de gestão do conhecimento, mesmo porque são, na prática, juntamente com o e-mail, as principais formas de disseminação do conhecimento tácito ou implícito, ou seja, do conhecimento detido pelo indivíduo na forma de know-how (hábitos, padrões, comportamentos, perspectivas etc.), e não documentado.
Dado que a maioria dos entrevistados vê as próprias organizações como principal fonte de conhecimento, pode-se afirmar que parte desse conhecimento se encontra mais especificamente "na cabeça de seus colaboradores", configurando-se como tácito.
Dessa maneira, fica evidente a razão pela qual as empresas que adotam o KM se valem de ferramentas habilitadoras do compartilhamento do conhecimento tácito. Afinal, a incorporação desse tipo de conhecimento aos ativos da organização é um dos resultados intangíveis que ela pode alcançar com o KM.
A Itaipu Binacional é um exemplo de como isso acontece. Estatal formada por Brasil e Paraguai, responsável por administrar a usina hidrelétrica, a Itaipu se preocupou há algum tempo com a preservação do conhecimento técnico estratégico de seus funcionários, especialmente daqueles envolvidos em atividades de manutenção que estavam próximos de se aposentar depois de uma carreira iniciada durante a construção da usina. A área de manutenção tende a ter um aumento progressivo da carga de trabalho motivado pelo esperado envelhecimento dos equipamentos. Diante disso, a empresa deu início a um projeto, em uma divisão da superintendência de manutenção, que objetivava a retenção de conhecimento e experiências adquiridas na execução das atividades da área, para que estas continuassem a ser realizadas com excelência, reduzindo a rotatividade de funcionários.
Logo no início, diversas práticas foram implantadas a fim de garantir a transformação do conhecimento tácito em conhecimento explícito. A maioria das práticas estava relacionada ao mapeamento do conhecimento do processo, cujo risco de ser perdido era alto.
Fatores de sucesso
Perguntou-se aos executivos entrevistados quais eram, na opinião deles, os "fatores críticos de sucesso" em projetos de KM. Em primeiro lugar aparece o "patrocínio da alta gestão", seguido pelo "treinamento dos funcionários da organização".
A seguir, apresentamos a análise de cada um dos principais fatores apontados pelos entrevistados:
1. Patrocínio da alta gestão (78,8%).
A "venda" do projeto para todos os colaboradores é facilitada e sofre menos resistências quando é feita de cima para baixo, ou seja, a partir do envolvimento e comprometimento dos executivos. Além disso, apresentar as atividades de patrocínio sob a ótica do valor agregado destas e dos resultados prováveis que desencadearão em toda a empresa, passíveis de mensuração e acompanhamento, é muito reforçador para todos os níveis da organização.
2. Treinamento e aculturamento (76,2%).
O treinamento e o aculturamento dos colaboradores interferem diretamente na eficácia e na perpetuação da implantação da gestão do conhecimento. A pesquisa identifica que, em grande parte, a resistência à adoção de procedimentos de KM nas organizações é fruto de cultura organizacional inadequada ou não mais aplicável ao ambiente "coopetitivo" (competitivo e cooperativo ao mesmo tempo) - o qual passou a ser a realidade das empresas que se propõem a competir em âmbito mundial. No entanto, observamos que a solução do problema vai além do simples treinamento de funcionários para utilização de sistemas ou softwares de gestão de informações. É fundamental a educação -ou aculturamento-, que deve ter precedência sobre o treinamento e pavimentar o caminho sobre o qual a absorção do conhecimento prático se dará.
3. Visão homogênea dos envolvidos a respeito da gestão do conhecimento (68,6%).
O processo interno de "venda" do projeto de KM é diretamente proporcional à amplitude da visão do que se esperada implantação. Em outras palavras, se a expectativa dos executivos é de que o KM será a estratégia competitiva da empresa na era do conhecimento, o universo de ação para essa iniciativa é toda a cadeia produtiva, estendendo-se gradualmente a todos os agentes da cadeia de valor, ainda que em fases e de forma gradual.
Ao final da implantação, todos os participantes ativos ou receptivos do conhecimento empresarial serão afetados e beneficiados pela estratégia de KM.
4. Adoção de premiação/incentivos para participação dos colaboradores (64,2%).
Apesar de este ser apontado como fator de sucesso, nota-se certa preocupação dos executivos a respeito de a premiação poder gerar uma atitude "mercenária" por parte dos interessados, geralmente funcionários ligados às operações na cadeia produtiva. Se atrelada a um eficiente mecanismo aferidor de resultados alcançados pelos colaboradores, como o Balanced Scorecard, a compensação financeira pode ser uma forma eficiente de premiação das pessoas que se destacam cedendo, utilizando e compartilhando seus ativos de conhecimento com a empresa, assim como com os demais colaboradores, intra-áreas, interáreas e mesmo inter-empresas. Prioritariamente surgem as fontes de reforço emocional, que se caracterizam pela demonstração de reconhecimento explícito do bom desempenho diante da equipe, por exemplo, ou pela confiança profissional, ao delegar às pessoas certas responsabilidades crescentes sobre orçamento, recursos humanos e materiais.
5. Clareza na comunicação dos objetivos a serem atingi- dos (58,9%).
A estruturação e a execução de um plano de comunicação que contemple a transmissão de informações sobre o projeto para todas as pessoas por ele afetadas são imprescindíveis. Mais ainda, tal plano deve personalizar a informação para esses diversos públicos conforme seus perfis, valendo-se de diferentes formatos e veículos, que serão determinantes para conferir eficácia à comunicação. Tal flexibilidade ou personalização das informações, entretanto, tem um limite, que é definido pela necessidade de divulgação de todos os motivos pelos quais se decidiu iniciar um projeto, bem como dos objetivos e resultados esperados aos diversos públicos internos envolvidos.
Conclusões
Podemos afirmar que os executivos brasileiros das empresas pesquisadas possuem em geral uma percepção razoável da importância da gestão do conhecimento para suas organizações. Acertadamente, a maioria deles acredita que a principal fonte de conhecimento de que podem dispor são suas próprias organizações. Vale ressaltar, no entanto, que esse capital intelectual se encontra muitas vezes disperso, desorganizado ou inacessível. É interessante destacar ainda que, entre as ferramentas para promover a disseminação do conhecimento, os entrevistados apontaram como mais largamente usadas as que permitem o compartilhamento do conhecimento que está "na cabeça" das pessoas. Esse é um indício da importância - correta - atribuída pelos executivos às pessoas. Por tudo isso, a análise dos resultados da pesquisa pode levar à impressão de que a gestão do conhecimento tende a crescer em progressão geométrica entre as empresas brasileiras. Contudo, para que essa "popularização" do KM ocorra de fato, há uma lacuna por preencher: a alta gestão das empresas do Brasil deve abrir seus olhos para a real importância da gestão do conhecimento. O KM deve ser entendido como prática necessária para a diferenciação em relação à concorrência e para a sobrevivência sustentável, e não apenas como recurso de modelagem de processos, como conjunto de políticas e cultura organizacional ou como tecnologia.
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domingo, 22 de maio de 2011

Como se constrói um sofisma?


Antes uma precisão sobre o termo sofisma:
A consideração mais abrangente de fenômeno sofístico impede que se mantenha a opinião exclusivamente negativa que dele existia. Parte indissociável do desenvolvimento crítico do pensamento grego em vias de amadurecimento, sem eles talvez Sócrates e Platão não seriam o que são. Ao estabelecer-se o ensino remunerado, o sofista passou a ser sobretudo o mestre que ensina profissionalmente. Mas, como os que se tinham na conta de sábios, nem sempre honravam o termo, os pitagóricos preferiram dizer-se "amigos da sabedoria" (filósofos). As denominações de sofista e filósofo se distanciaram assim.  Sofista, progressivamente, passou a ter conotação negativa. Sobretudo, a partir de Sócrates e Platão. Assim permaneceu até hoje.
Comento nesse post a entrevista abaixo dada à revista Época pelo Psicólogo americano Martin Seligman. Como o autor lembra, me parece também que os antigos, Aristóteles dentre eles, pregavam a existência de um "bem soberano". Acho que é o que Martin Seligman argumenta ser a felicidade, hoje. Ele a pensa de forma ampla, como causa de cinco sub-elementos, que juntos a causariam. Eu diria, contudo, que ele se mostra na verdade um excelente sofista. Me explico, perguntando: o que ele chama de "Emoções Positivas" seria, para quem, a felicidade?
Claro que a felicidade deve ser um fenômeno com causas bem mais complexas do que "Emoções Positivas". Quem acreditaria em algo diferente?
A felicidade é o resultado de uma mistura dos elementos apontados por ele, e talvez muitos outros ainda. Assim, para mim, o autor apenas jogou com as palavras. Inverteu-lhes a ordem causal. Ele diz: "emoções positivas que entendemos como felicidade são só uma das cinco maneiras de ter uma vida melhor". Eu pergunto: quem considera "Emoções Positivas" o mesmo que felicidade? talvez apenas ele, falsamente embora fortemente, para fazer-lhe acreditar no mesmo.
O segredo da técnica é o seguinte: o sofista inicia dizendo-lhe logo de início que você acredita que "Emoções Positivas" é o que você mesmo toma por felicidade; e você, lendo acriticamente, acredita nisso, não questiona. Você não elabora sua própria opinião, então aceita a afirmação como uma premissa. Mas você não percebe que trata-se de uma premissa falsa.
Vejamos o silogismo: “Se A então B”. Como você acredita, sem questionar, “A”, porque lhe foi dito como verdade, então “B” só pode ser também verdade! Dessa forma o sofista logra sutilmente convencer-lhe de algo em que você mesmo não acreditava antes. Ele consegue vender-lhe o peixe o fazendo acreditar que a sua noção original de felicidade era realmente bem precária. Que cabe a ele, então, lhe explicar o que é a felicidade. Mas é isso mesmo? 
Nesse cenário, tudo o que ele escreve, e que você lê, passa a lhe parecer revelador. Interessante, não é?
Na antiguidade, quando a retórica importava muitíssimo, os sofistas detinham várias dessas artimanhas. Hoje, sem tempo para aprofundar o entendimento do que se lê (transformando informação em conhecimento), é-se novamente e frequentemente vítima deles. 
Carecemos talvez de um novo Sócrates ou de um novo Platão, para nos defender da má literatura, da pseudo-ciência. É divertido imaginar que esse novo Sócrates não perambula mais pelas ruas, iluminando ("pervertendo") jovens. Hoje ele navega na Web, poço enorme de bobagens e maravilhas e, em seu blog, denuncia sabichões. 
Segue parte da entrevista abaixo.


Martin Seligman: “Perseguir só a felicidade é enganoso”
Psicólogo americano afirma que a felicidade está supervalorizada: ela é só um dos cinco caminhos para o bem-estar
Letícia Sorg
Martin Seligman ficou conhecido como “doutor felicidade” depois de estudar, por mais de 20 anos, como é possível ser mais feliz e de lançar livros como Felicidade Autêntica (2002). Hoje, o psicólogo nega o título ao afirmar que, mais importante do que ser feliz é viver bem. Em seu novo livro, Flourish (Florescer), o especialista desenvolve a teoria do florescimento ou bem-estar, que diz que as emoções positivas que entendemos como felicidade são só uma das cinco maneiras de ter uma vida melhor. Nesta entrevista a ÉPOCA, Seligman, que é professor da Universidade da Pensilvânia e já presidiu a Associação Americana da Psicologia, fala sobre a busca por uma vida melhor. Florescer deve ser lançado em português pela editora Objetiva em outubro, quando o psicólogo vem ao Brasil para um evento a convite de Patrícia Carlos de Andrade, aluna de Seligman no mestrado em Psicologia Positiva Aplicada e presidente do Instituto Millenium.
ÉPOCA - Por que o senhor decidiu escrever Flourish?
Martin Seligman –
Não decidi escrever esse livro. Eu estava com a minha família em Santorini, na Itália, e estava muito quente. Quente demais para mim. Então fiquei preso em uma sala com ar condicionado por sete dias, há dois verões. Decidi, então, escrever sobre como meus pensamentos haviam mudado desde o último livro, oito anos atrás. Depois de escrever as primeiras partes, descobri que aquilo poderia ser um novo livro. Havia escrito quase tudo só para mim mesmo antes de falar com minha agente e a editora. Foi um exercício para mim mesmo para ver o que eu pensava.
ÉPOCA - Nesse novo livro, o senhor relativiza a importância da felicidade, que era um conceito central em suas obras anteriores. O senhor está renegando seu próprio trabalho?
Seligman –
Minha ciência sempre foi um trabalho em construção. Não penso que esteja negando, apenas corrigindo, ampliando, ajustando o que fiz antes. Renegar é uma palavras forte demais, já que fazer ciência é mudar de ideia.
ÉPOCA - Qual foi a principal mudança?
Seligman –
Meu interesse inicial era saber o que as pessoas fazem por vontade própria, sem serem forçadas. O que pensava dez anos atrás era parecido com o que Aristóteles disse: que havia um único objetivo final e que qualquer coisa que as pessoas fizessem era para aumentar sua felicidade. Mas me convenci de que a felicidade é só um dos fatores, o fator “emoções positivas”. Muitas vezes tomamos decisões que trazem sentido para a vida, mas geram menos felicidade. Outras vezes escolhemos manter certas relações que não têm efeito nenhum na felicidade. Se você pensar num avião, não há um número único que diga como está aquele avião. É preciso olhar o painel todo, checar a altitude, a velocidade, o nível de combustível, a temperatura do óleo. Dependendo da sua missão, é preciso tomar conta de todo o painel. De maneira semelhante, os humanos são muito complicados e não dependem de um único fator. Há pelo menos cinco fatores que fazemos por nós mesmos, cinco caminhos possíveis, e não um único objetivo de vida. Deixar de entender a felicidade ou as emoções positivas como o objetivo final comum, como o único fator em que as pessoas baseiam suas escolhas, é a principal mudança. A teoria do florescimento é muito mais ampla do que a da felicidade.
ÉPOCA - Quais são os cinco fatores?
Seligman –
São: emoções positivas, engajamento, relacionamentos positivos, propósito e realização [as iniciais dos cinco elementos em inglês formam o acrônimo Perma, usado por Seligman para resumir a teoria do florescimento].
ÉPOCA - Não é o caso de revermos o conceito que temos de felicidade, em vez de criar um novo conceito?
Seligman –
É preciso restringir o conceito de felicidade. Sou a favor de risos, de bom humor, mas são só parte do que leva as pessoas a agir. Não precisamos repensar, mas restringir o alcance da felicidade. É comum, por exemplo, ouvir pais dizerem: “Só quero que meus filhos sejam felizes”. Isso é uma tolice. Quero que meus filhos sejam felizes, mas quero que eles gostem de fazer algo, que tenham bons relacionamentos, que encontrem um sentido e um propósito e que conquistem coisas. Perseguir só a felicidade é enganoso. Não que eu seja contra a carinha sorridente perpetuada por Hollywood, mas as emoções positivas são apenas um dos elementos.

Bem, a entrevista continua, mas a resolvi corta-la aqui... realmente não vale a pena ler tanta besteira.

Unidade e Plenitude

Não o destino
mas no caminho, olha a luz
No ser ela mora
profunda, bela, simples, única

Salvo; a plenitude
agora vai encontrá-la
Castiçal com, ou sem vela
No olhar do próximo
lá está ela.

O computador

Meu amigo, queria lhe pedir: tenha paciência com o computador. 

Como todo artefato - objeto não natural - ele é também uma projeção do nosso ser. 

Nós nos projetamos neles e eles nos projetam a nós mesmos, de volta. E isso é importante porque permite entendermo-nos melhor, por meio daquilo que é a nossa criação. 

Perceba como a cadeira tem sua ergonomia própria, adaptando-se ao nosso corpo, que é o que é, que dobra do jeito que dobra.

O que ele, o computador, tem de especial em relação aos outros artefatos? 
Como todos os outros, ele nos retorna a nós mesmos, como que um espelho; mas ele o faz melhor que todos os outros, e mais profundamente.

Não é agradável pensar que ele nos liberta de todo trabalho repetitivo, para dedicarmo-nos ao desenvolvimento de nosso espírito, nossa criatividade, nosso destino?

Digo-lhe que o que me tira do sério, em minha vida, é ter que fazer, eu próprio, o que ele pode fazer por mim.

Nessa consideração eu encontro boa parte, ou talvez todo o meu interesse pessoal pela informática: com a ajuda do computador somos capazes de automatizar o que há de repetitivo em nossas tarefas, bem como os processos repetitivos e burocráticos de nossas organizações. 

Assim podemos nos libertar deles, e de sua opressão "tarefeira". 

Dessa forma, se utilizado com sabedoria, o computador nos torna mais produtivos, nos liberta e nos potencializa para criar; ainda mais, ainda melhor.  

Sem sabedoria, contudo, não são mais do que verdadeiras armas a nos desumanizar.
A CIÊNCIA, a ciência, a ciência...
Ah, como tudo é nulo e vão!
A pobreza da inteligência
Ante a riqueza da emoção!
(…)
A ciência! Como é pobre e nada!
Rico é o que alma dá e tem.
Fernando Pessoa

Acolhendo o amigo e dizendo a palavra.



A poesia do amigo mora em mim. Venha logo, meu amigo, recitá-la. Queria tentar lhe dizer, em palavras, o que sinto daquilo que existe entre nós, e que me constrói. Queria tentar lhe dizer do que me causa esse algo em seu olhar, e que me invade. Sempre que estou com você meu amigo, o amor prevalece, e um novo pedaço da morada se constrói, magicamente. Ah, essa poesia em nós! Que ousa e insiste em nos falar de amor. Que eu saiba acolhê-la com carinho. Que nossos corações ansiosos transformem, ao cantá-la um para o outro, em amor as lanças que os transpersam.

Digo-lhe querido, que todos os dias teu olhar, novo ou velho amigo, bate às portas do meu ser. E, com uma chave única e divina, vai abrindo uma gaveta bem profunda. Lá no fundo vai pegando algo que eu mesmo não tinha. Colocando-me, sem saber, ainda nú, nesse palco de teatro que chamam vida, todos os dias você me devolve um pouquinho do que a mim ainda faltava. 
Não importa o que encontras. Se o acolho, sou coberto pelo amor. Mesmo o ego, ressentimento ou ódio, aqui já não têm força, acolhidos que serão por esse amor. Assim meu amigo, você me ajuda a interpretar a cada dia um novo papel, que sou eu mesmo e não sabia. Seu amor vai me devolvendo aos poucos a mim mesmo. Permita-me viver no risco do seu olhar, e vai me devolvendo, no dia-a-dia, aquilo que eu procurava em mim e não encontrava. Meu ser vai se completando com o seu. A cada novo amigo, é um novo pedaço de mim que reencontro; um novo tijolo que volta, se encaixa, e constrói a morada do amor em mim. Como um barco em águas calmas, então meu ser vai fruindo pela vida. 
Obrigado amigo, pois é você que me prepara o abrigo. Meu aconchego no caminho de volta ao Pai. De você, meu novo ou velho amigo, já tenho saudades. Venha logo à minha casa, precária, miserável e gloriosa.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Depoimento da professora Amanda Gurgel


Profa. Amanda Gurgel, minha querida. Enxergo a mensagem do Amor iluminada nos seus olhos. Quanta luz!... Acolher de forma inteligente e ponderada, como você fez nesse vídeo, é o que nos importará daqui para frente, e não apenas quando o assunto for educação. O Brasil já está mudando, junto com o mundo... esse é o verdadeiro poder da Internet. Sua fala nesse momento nos ilumina fortemente o caminho acerca da educação que queremos. Depois dela, cada cidadão desse país não aceitará mais tratar a educação da forma como se faz hoje. 10% do PIB já! Obrigado!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

"As pessoas ainda não foram terminadas..."


Rubem Alves nos revela, no texto logo abaixo, o que eu considero uma das essências do Cristianismo. Essa mesma essência que enxergo também na voz de Cristo, na cruz. Citando o psaumista: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?" Nessa frase, consubstanciando a Trindade, Jesus, iluminado pelo Espírito Santo e dirigindo-se ao Pai, revela sua face mais humana. Depois disso, nós Cristãos não mais nos esqueceremos de que ainda não fomos terminados. E que a missão é toda nossa. Pelo que me concerne, vivo essa missão na desesperança. Sem esperar alcançar, no breve horizonte da minha curta vida, um produto final, terminado.
Muito bem. Contudo, no texto abaixo de sua autoria, Rubem Alves, esse grande autor, tão querido por mim e por todos nós, comete, um erro. Ele distingue o Ser/Sabor do Conhecer/Razão, mas os separa. E no que os separa, erra. Me explico melhor: por que distinguir separando?
Como sabemos, na análise intelectual do entendimento, o homem sempre busca distinguir, mas o faz tão somente para melhor entender o fenômeno. Na análise ele compreende melhor cada conceito, distinguindo-os, mas não deixando de abraçar os dois, ao mesmo tempo e juntos. Ensinara-me um padre jesuíta que a relação entre a razão prática e a razão pura é dialética em sua essência. Sim, e graças a isso, podemos distinguir os dois, para entende-los melhor, com nossa inteligência humana. Mas distinguir separando, para elaborar isoladamente cada um deles? Poderia revelar tal engenho, certa tendência sofística?
Que não se entenda mal. Não intento criticar a genialidade do texto abaixo, quis apenas pontuar minha opinião. Aliás, não é esse o ponto relevante no texto que se lê abaixo.
Continue sendo grande, meu querido Rubens Alves, nos iluminando com seus livros! Sugiro, com  máxima humildade, apenas que cuide mais ao afirmar que "o cientista ensina o poder" e que, para ele, o "silêncio é espaço da ignorância"...  Eu sou apenas um dos que não os reconhece dessa forma, não todos. Nem todo cientista é sábio, todo cientista é humano. Mas deixo a pergunta: quantos sábios são cientistas? Esse tipo de incompreensão entre ciência e filosofia levou Feyerabend a dizer "O amor torna-se impossível para as pessoas que insistem na objetividade, isto é, que vivem inteiramente de acordo com o espírito da ciência." A esse propósito, o leitor pode ver minha crítica ao livro "Imposturas Intelectuais" de Alan Sokal & Jean Bricmont.


"As pessoas ainda não foram terminadas..." 
Porque nosso DNA é incompleto, inventamos poesia, culinária...por Rubem AlvesAs diferenças entre um sábio e um cientista? São muitas e não posso dizer todas. Só algumas.
O sábio conhece com a boca, o cientista, com a cabeça. Aquilo que o sábio conhece tem sabor, é comida, conhecimento corporal. O corpo gosta. A palavra "sapio", em latim, quer dizer "eu degusto"... O sábio é um cozinheiro que faz pratos saborosos com o que a vida oferece. O saber do sábio dá alegria, razões para viver. Já o que o cientista oferece não tem gosto, não mexe com o corpo, não dá razões para viver. O cientista retruca: "Não tem gosto, mas tem poder"... É verdade. O sábio ensina coisas do amor. O cientista, do poder.
Para o cientista, o silêncio é o espaço da ignorância. 
Nele não mora saber algum; é um vazio que nada diz. Para o sábio o silêncio é o tempo da escuta, quando se ouve uma melodia que faz chorar, como disse Fernando Pessoa num dos seus poemas. Roland Barthes, já velho, confessou que abandonara os saberes faláveis e se dedicava, no seu momento crepuscular, aos sabores inefáveis.
Outra diferença é que para ser cientista há de se estudar muito, enquanto para ser sábio não é preciso estudar. Um dos aforismos do Tao-Te-Ching diz o seguinte: "Na busca dos saberes, cada dia alguma coisa é acrescentada. Na busca da sabedoria, cada dia alguma coisa é abandonada". O cientista soma. O sábio subtrai. 
Riobaldo, ao que me consta, não tinha diploma. E, não obstante, era sábio. Vejam só o que ele disse: "O senhor mire e veja: o mais importante e bonito do mun­do é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando..." É só por causa dessa sabedoria que há educadores. A educação acontece enquanto as pessoas vão mudando, para que não deixem de mudar. Se as pessoas estivessem prontas não haveria lugar para a educação. O educador ajuda os outros a irem mudando no tempo.
Eu mesmo já mudei nem sei quantas vezes. As pessoas da minha geração são as que viveram mais tempo, não pelo número de anos contados pelos relógios e calendários, mas pela infinidade de mundos por que passamos num tempo tão curto. Nos meus 74 anos, meu corpo e minha cabeça viajaram do mundo da pedra lascada e da madeira - monjolo, pi­lão, lamparina - até o mundo dos computadores e da internet.
Os animais e plantas também mudam, mas tão devagar que não percebemos. Estão prontos. Abelhas, vespas, cobras, formigas, pássaros, aranhas são o que são e fazem o que fazem há milhões de anos. Porque estão prontos, não precisam pensar e não podem ser educados. Sua programação, o tal de DNA, já nasce pronta. Seus corpos já nascem sabendo o que precisam saber para viver.
Conosco aconteceu diferente. Parece que, ao nos criar, o Criador cometeu um erro (ou nos pregou uma peça!): deu-nos um DNA incompleto. E porque nosso DNA é incompleto somos condenados a pensar. Pensar para quê? Para inventar a vida! É por isso, porque nosso DNA é incompleto, que inventamos poesia, culinária, música, ciência, arquitetura, jardins, religiões, esses mundos a que se dá o nome de cultura.
Pra isso existem os educadores: para cumprir o dito do Riobaldo... Uma escola é um caldeirão de bruxas que o educador vai mexendo para "desigualizar" as pessoas e fazer outros mundos nascerem...


Inácio de Loyola

A oração de Inácio de Loyola diz assim:
"Tomai senhor e recebei toda a minha liberdade e a minha memória também. O meu entendimento e toda a minha vontade. Tudo o que tenho e possuo, vós me destes com o Amor. Todos os dons que me destes, com gratidão vos devolvo, dispondes deles Senhor, segundo a vossa vontade. Dai-me somente o vosso amor vossa graça, isso me basta nada mais quero pedir." 

De repente um pensamento curioso me vem e desejo partilhar... e assim faço uso deste blog de maneira inaciana, fazendo uma Partilha. Ele, o pensamento, é assim: - vai chegar um dia em que eu serei capaz de rezar a oração acima de coração (i.e., decorada), impressa no meu corpo, mas sem chorar. Então, com o coração manso e humilde, meu Ser dissolvido no Todo, encontrará o mistério que vivo revelado quando estou na presença de outra pessoa. 
Obrigado, a cada um (em especial aos amigos e amigas inacianos), por me acolherem ontem, hoje, tanto e sempre. Ouso imaginar que nesse dia, quando não mais me emocionar como uma criança que aprende, e meu Ser não mais derramar lágrimas, terei finalmente logrado passar da emoção para a moção, que vocês me revelam ser o Espírito Santo realizando minha vida. 

sábado, 7 de maio de 2011

Fé humanista: uma alternativa compatível

Tradução (adaptada) da Introdução do artigo de Alistair J. Sinclair
"A HUMANIST'S FAITH: TOWARDS A HUMANIST ALTERNATIVE TO RELIGION"

          Man is that noble endogenous plant which grows, like the palm,
          from within without.

                               Ralph. W. Emerson
                                              ‘Representative Men’,  Essays, London: Collins (undated), p.369

Introdução
Os humanistas são muitas vezes caricaturados como sombrios, materialistas egoístas niilistas que toleraram tudo e acreditam em qualquer coisa ou nada (pois daria na mesma). Mas este materialismo é uma característica dos humanistas seculares que não vêem nenhum valor em religião alguma. Humanistas de mentes espiritualizadas podem acomodar o que é valioso na religião sem ceder a uma crença supersticiosa em entidades sobrenaturais.
O humanismo materialista não oferece nada para rivalizar com os credos das várias religiões que dão apoio emocional para milhões de pessoas. Em sendo contra toda religião qualquer que seja ela, alguns humanistas seculares podem ser tão fanáticos e intolerantes quanto os fundamentalistas a quem se opõem. Eles correm o risco de converter o humanismo em uma doutrina estreita praticada por uma seita exclusiva, que segue o exemplo infeliz dos comunistas que inutilmente proibiram a religião. Eles muitas vezes reagem contra a religião sem se preocupar em entender as necessidades espirituais que lhe são subjacentes.
Em contraste, um humanismo de mente espiritualizada pode ir além da religião, sem entrar no misticismo ou no sobrenatural. Se o humanismo é substituir a religião no afeto das pessoas, deve ser de mente aberta o suficiente para abraçar as nossas aspirações espirituais e não opor-se ou ignorá-las completamente. Por isso, eu tentei aqui mostrar como uma visão ampla do humanismo inclui a possibilidade de uma fé humanista. Um humanista de fé é, portanto, uma pessoa que reconhece o valor do pensamento espiritual, como descrito abaixo.

Não é necessário ser religioso para ter uma fé. Uma fé baseada no humanismo pode ser mais forte do que qualquer fé religiosa, pois é auto-crítica e baseada não apenas na razão, mas também na realidade, nas evidências, no conhecimento científico e no bom senso comum. Um tal conhecimento revela o óbvio escondido: que somos seres de vontade, antes de sermos seres racionais. Como seres de vontade, somos motivados pelo coração, não pela razão. Esta última faz apenas guiar a primeira, fundamental, que nos move à ação.
A maioria das crenças religiosas são misteriosas e insondáveis​​, porque elas remetem à uma época pré-científica da ignorância e da superstição. Mas o humanismo oferece uma fé racional compatível com os avanços científicos. Assim, longe de acreditarem qualquer coisa ou nada (niilismo), o humanista acredita naquilo que dita o seu juízo crítico e no que é realmente o caso. Enquanto o religioso crê em coisas sem sentido, infundadas, não há limite para o que ele (humanista) pode ou não acreditar.
A religião exige fé absoluta e inabalável, enquanto a fé de um humanista é inteiramente sua. Humanismo não impõe crenças particulares e o humanista é obrigado a trabalhar por si mesmo o que ele acredita ou não acredita. Portanto, o que se segue exemplifica a fé de muitos humanistas. Não se aplica necessariamente a todos os humanistas, mas espera-se que os ajude no fortalecimento de suas próprias crenças particulares, se eles têm alguma. Não ter nenhuma fé também é compatível com um humanismo secular.

Credos religiosos apelam exclusivamente ao coração, enquanto o humanismo parece só apelar para a cabeça. Mas os humanistas só aparentam coração frio e imparcial, porque eles acreditam que a cabeça deve governar o coração. Razão também envolve paixão, e quanto mais convencidos estamos da razoabilidade das nossas crenças, mais apaixonados delas estamos, daí o fanatismo dos verdadeiros crentes. O humanista também é apaixonado por suas crenças, mas ele acredita que deve mantê-las dentro dos limites do bom senso. Ele as guarda no limite do comprimento de seu braço, para permanecer objetivo sobre elas. Suas paixões são silenciadas, porque ele deixa a sua opinião aberta a uma análise mais aprofundada. A mentalidade de um humanista é de aceitar as limitações de todas as suas crenças. Além disso, ele não aprova o dito autoritário de crenças de qualquer pessoa ou organização, pois ele insiste em pensar por si mesmo.

O humanismo é por vezes responsabilizado pelos excessos de alguns regimes ateus do século XX. Mas é um erro igualar humanismo com o ateísmo - não todos os humanistas são ateus. Pode haver humanistas cristãos, judeus e muçulmanos que mantém suas crenças com a compreensão humanística, em vez de rigor religioso. Nem todos os ateus são humanistas. Adolf Hitler e Joseph Stalin certamente não eram humanistas. Karl Marx deixou de ser um humanista, quando escreveu O Manifesto Comunista, que defendia uma ditadura do proletariado com a abolição da propriedade e outros atos desumanos que foram recentemente colocadas em prática por Pol Pot e o seu regime infame no Camboja. Tais ideologias tornam-se crenças religiosas dominadas por uma personalidade-deus, e não há nada humanista nelas. Como o humanismo é incompatível com a tirania, opressão, violência e atos arbitrários de guerra, ele oferece uma fé verdadeiramente humana.

Em primeiro lugar, uma fé humanista pode ser firmemente ancorada sobre crenças razoáveis ​​quanto à realidade da vida, da natureza e do universo. Em segundo, pode fundamentar-se na autoconfiança e na crença em outras pessoas e na sociedade em geral. Em terceiro lugar, é uma fé forte e resistente, porque extremamente auto-referenciada, especialmente se comparada com a fé cega de um ainda típico crente religioso. Em quarto lugar, sua crença na humanidade pode ser baseada em critérios racionais e críticos, em vez de fundamentos dogmáticos e absolutistas. Este ensaio resume minhas opiniões, embora eu possa ter inconscientemente absorvido muitos deles a partir de fontes agora esquecidas.