Minha questão é saber como o ser humano pode viver melhor, e isso só a filosofia é capaz de responder...
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Como os gregos, nós hoje achamos que uma vida mortal bem-sucedida é melhor que ter uma imortalidade fracassada, uma vida infinita e sem sentido. Buscamos uma vida boa para quem aceita lucidamente a morte sem a ajuda de uma força superior." (Luc Ferry)

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Hermenêutica

Hermenêutica é um ramo da filosofia que estuda a teoria da interpretação, que pode referir-se tanto à arte da interpretação quanto à teoria da interpretação. A hermenêutica se refere ao estudo da interpretação de textos escritos, especialmente nas áreas de literatura, religião e direito. Numa visão contemporânea, engloba não somente textos escritos, mas também tudo o que entra em jogo no processo interpretativo. Isso inclui formas verbais e não-verbais de comunicação. A hermenêutica refere-se principalmente à teoria do conhecimento de Hans-Georg Gadamer, tal como desenvolvida em sua obra "Verdade e Método" (Wahrheit und Methode), e algumas vezes na obra de Paul Ricoeur (texto inspirado de verbete da wikipedia, consultado em outubro de 2011).

A interpretação de qualquer coisa envolve uma certa compreensão e eventualmente ser capaz de explicar essa coisa.

Sobre a diferença entre Explicação e Compreensão.
Segundo W. Dilthey, estes dois métodos de interpretação estariam opostos entre si. Explicação, própria das ciências naturais e compreensão, própria das ciências humanas e sociais, ciências do espírito:
    "Esclarecemos por meio de processos intelectuais (racionais), mas compreendemos pela cooperação de todas as forças sentimentais presentes na apreensão, pelo mergulhar das forças sentimentais no objeto." (Wilhelm Dilthey).

Paul Ricoeur, filósofo francês que trabalhou áreas da fenomenologia e da hermenêutica, visou superar esta dicotomia. Para ele, compreender um texto é encadear um novo discurso no discurso do texto. Ler é apropriar-se do sentido do texto. De um lado não há compreensão/reflexão sem meditação sobre os signos; do outro, não há explicação sem a compreensão do mundo e de si mesmo.

Essa contribuição de P. Ricoeur, que vence a dicotomia entre razão pura e prática, parece-me útil para ponderar sobre a natureza do processo de "tomada de decisão". Como tomamos uma decisão? no trabalho, em nosso dia-a-dia? Qual é o papel da razão e qual é o papel do coração em uma tomada de decisão? Pois P. Ricoeur parece estar dizendo que os dois estão juntos, sempre, inseparáveis. Nossas chances de errar, e tomar uma decisão equivocada aumentam se os considerarmos como dois absolutos, separados.
Eis a sequência temporal: e moção (produto involuntário do corpo), pensamento (a emoção atinge a conciência), razão/explicação (julgamento). Se assim for então Espinosa tem razão: "não é porque eu julgo que uma coisa é boa que eu tendo em sua direção, mas porque eu tendo em sua direção que eu a julgo boa".
Curiosamente encontrei a mesma questão, por acaso, em um diálogo entre o mestre Svami Prajnanpad, sábio indú, e seu aluno Daniel Roumanoff. Em uma das passagens o mestre  diz: "Sentir d'abord, puis décider, ensuite agir. Mais ce sentiment doit être un sentiment e non pas une identification émotionnelle." (do livro "Vers La Réalisation de Soi", Ed. Accarias L'Originel). "Primeiro sentir, depois decidir, em seguida agir. Mas o sentir deve ser um sentimento e não uma identificação emocional".
O que deixa claro como a razão aqui é considerada também como um afeto do corpo (vide Spinoza) e não como uma abstração instrumental de uma razão que se pretende "desembarcada", fora do corpo (no sentido do que pregava a dualidade Cartesiana).
Mas como um sentimento pode ser diferente de uma "identificação emocional"? Essa última se refere à identificação daquilo que está na ordem da intuição com algo que está na ordem do conceitual, de um conceito. Ora o que Prajnanpad parece querer dizer não é que tal identificação não deva ocorrer, mas que ela deve apenas ocorrer na fase posterior da decisão: "..., puis décider, ...".

Isso parece sugerir um ponto crucial para o nosso tempo ou sociedade contemporânea: toda decisão carece de um tempo (um tempo para "sentir"), toda decisão bem tomada não virá necessariamente sem um tempo adequado para a fase do "Sentir".
Esse sentir é anterior e mais interior (na ordem do conhecimento) do que a fase seguinte (da decisão), i.e., da identificação emocional, que já é conceitual, ou seja de ordem informacional.
A consideração desta passagem no diálogo referido me parece reforçar a reflexão de P. Ricoeur.

Indo além, recordo-me ainda de Santo Agostinho, que dizia: "Creio para enteder...". Mas não detalharei esse ponto agora. Fica para outro post