Minha questão é saber como o ser humano pode viver melhor, e isso só a filosofia é capaz de responder...
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Como os gregos, nós hoje achamos que uma vida mortal bem-sucedida é melhor que ter uma imortalidade fracassada, uma vida infinita e sem sentido. Buscamos uma vida boa para quem aceita lucidamente a morte sem a ajuda de uma força superior." (Luc Ferry)

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Sabedoria

"Mesmo que possamos ser sabedores do saber do outro, sábios nós podemos ser apenas da nossa própria sabedoria." (Ensaios, I, 25).

(Texto inspirado do verbete "Sagesse" do Dictionnaire Philosophique, 2001, de André Comte-Sponville).

Para mim sabedoria é o ideal de uma vida bem-sucedida. Um estado de espírito em que se experimenta um máximo de plenitude -- não por ter sido bem-sucedido na vida, o que seria mero carreirismo, mas por ter tornado mais plena a sua vida ela própria.

É o objetivo, desde os Gregos, da filosofia. Contudo, trata-se de um ideal do qual importa também liberar-se. A sabedoria não liga para bem-suceder seja lá o que for: a vida do sábio não lhe importa mais, nem menos, do que a vida do outro. Ele se contenta de vivê-la, e encontra nisso um contentamento suficiente, que é a única sabedoria verdadeira. O sábio não espera que a vida lhe seja amável (fácil, agradável, bem-sucedida...) para amá-la. Questão de temperamento? questão de doutrina? Sem dúvida um pouco dos dois. Se é mais ou menos dotado para a vida, mais ou menos sábio; os que são menos, e sei do que falo, têm então necessidade de filosofar mais que outros.

Mas ninguém é sábio absolutamente, nem plenamente, todos têm necessidade de filosofar, nem que seja para libertar-se da filosofia.

Sabedoria? Com certeza, pois atingi-la é parar de crer nela. Uma pedra ou um virus bastam para tornar o mais sábio dos homens um louco; ou um sofrimento mais forte que outros ou que sua própria sabedoria. O sábio aceita isso de ante-mão. Suas falhas não são menos verdadeiras do que seus sucessos. Por que seriam menos sábias?
A sabedoria não é um seguro total, nem uma panaceia, ou obra de arte. É um certo descansar, mas alegre e livre, na verdade. Um saber? tal é com efeito o sentido da palavra para os Gregos (sophia) como para os latinos (sapientia).
Mas é um saber bem particular. "A sabedoria não pode ser nem uma ciência nem uma técnica", dizia Aristóteles: ela tem menos a ver com o que é verdadeiro ou eficaz do que com o que é bom, para si e para os outros. Um saber? Certamente. Mas um saber-viver.

Os Gregos distinguiam a sabedoria teórica ou contemplativa (sophia) da sabedoria prática (phronèsis). Mas uma não existe sem a outra; a verdadeira sabedoria seria a conjunção das duas.

Ela se faz reconhecer graças a uma certa serenidade, mais ainda a uma certa alegria, a uma certa liberdade, a um certo amor, a uma certa eternidade (o sábio vive no presente: ele sente e experimenta, como dizia Espinosa, que é eterno)... "De todos os bens que a sabedoria nos proporciona para a felicidade, sublinhava Epicuro, a amizade é de longe o maior" (Maximes capitales, XXVII).
É que o amor-próprio cessou de ser obstáculo. Que o medo e a falta cessaram de ser obstáculos. Resta apenas a alegria de conhecer: restam apenas o amor e a verdade.

Todos temos momentos de sabedoria: são aqueles quando o amor e a verdade nos parecem suficientes. Todos temos momentos de loucura: aqueles que experimentamos longe do amor e da verdade.

A verdadeira sabedoria não é um ideal; é um estado, sempre aproximativo, sempre instável (ele só é eterno, como o amor, enquanto dura), é uma experiência, é um ato.  Não é um absoluto, mas é um máximo (e como tal relativo): é o máximo de bem-estar vivido no máximo de lucidez.
Ela depende da situação tal ou qual, das capacidades de tal ou qual, enfim do estado do mundo e da pessoa. Não é um absoluto, é a forma sempre relativa, de habitar o real, que é o único absoluto verdadeiro.

Essa sabedoria parece melhor do que todos os escritos já produzidos sobre ela, que arriscam dela nos separar. A cada um de criar a sua.