Minha questão é saber como o ser humano pode viver melhor, e isso só a filosofia é capaz de responder...
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Como os gregos, nós hoje achamos que uma vida mortal bem-sucedida é melhor que ter uma imortalidade fracassada, uma vida infinita e sem sentido. Buscamos uma vida boa para quem aceita lucidamente a morte sem a ajuda de uma força superior." (Luc Ferry)

terça-feira, 13 de julho de 2010

A invenção da “planitude”

Por Carlos Vogt
A Terra não é plana e isso a gente sabe faz alguns séculos. Ao contrário, é plena, densa redonda e “azul como uma laranja” segundo o poeta francês Paul Eluard. A cadelinha Laika, Yuri Gagarin e o Sputinik nos ajudaram a transformar o conceito em percepção sensível e metafórica dessa plenitude azul provocada pelo efeito de luz e cor da massa líquida do planeta, vista ao longe, à distância sideral do que é possível ver e imaginar, no tempo do espaço-tempo tocado como as cordas de um instrumento feito só de buracos negros e minhocas incomensuráveis.

A Terra não é plana, o universo se expande, as teorias para explicá-lo se esticam e tangem os limites da universalidade do que existe, percebido como existindo em aldeias de “planitude” global desadensadas de memória e carregadas de acúmulos flexíveis de informações.

Três projetos de impacto marcaram o século XX: o que levou o homem à Lua, o que o havia levado à bomba atômica e o que o trouxe de volta, pelo Genoma, à tentativa de compreender os segredos bioquímicos de sua própria vida.

Antes, no começo do século, Freud havia apontado as sucessivas quedas do homem, que, parafraseadas, poderiam nos levar a uma espécie de paradoxo do conhecimento, cujos elementos de composição e de articulação seriam os seguintes: o homem tem uma primeira queda quando é expulso do Paraíso, pelo pecado do conhecimento e pelo conhecimento do pecado; tem uma segunda queda, quando, pelo conhecimento, o heliocentrismo substitui a visão geocêntrica do sistema planetário; uma terceira queda o tira da escala de criatura humana por criação divina para colocá-lo na cadeia evolutiva das espécies; cai novamente, desta vez do centro da história, pelas explicações marxistas da economia de suas relações em sociedade; cai, por fim, de si mesmo, ao ser deslocado de seu eu consciente para as forças inconscientes que parametrizam os seus comportamentos, os seus valores e determinam as suas escolhas e opções quando não as próprias formas de como o sujeito é escolhido, apresentado e representado no palco de suas desilusões.

A primeira queda é mítica, a segunda é cósmica, a terceira é biológica, a quarta é histórica e a quinta é psicanalítica.

Caso faça sentido a saga de seus tombos, a conformação do paradoxo está em que quanto mais ele mergulha no conhecimento de suas profundezas e na profundidade do conhecimento de si e do universo que o circunscreve e que ele escreve, mais o homem é emergido para a superfície plana de sua deserdação e para “planitude” desértica de sua solidão solidária.

Por isso também é que o conhecimento é comovente, como atesta o livro "Dez teorias que comoveram o mundo", de Leonardo Moledo e Esteban Magnani, publicado no Brasil pela Editora da Unicamp, em 2009, em tradução do original argentino, de 2006.

Escolhidas pelos autores estão o heliocentrismo, a gravitação universal, a teoria da combustão, o evolucionismo, a teoria atômica, a teoria da infecção microbiana, a relatividade, a teoria da deriva continental, a genética e o Big Bang.

Qual seria, então, a forma mais acabada do paradoxo dessa comovente história do conhecimento?

A meu ver, seria simples e transitória como é definitiva e complexa a provisoriedade da vida. Conhecer é um ato de coragem que nos leva de pergunta em pergunta ao confronto de alternativas: ou recusamos o conhecimento como dado, ou nos aventuramos no que nos é dado a conhecer. Neste caso, ainda que a biblioteca de nossos conhecimentos seja “periódica”, ela será também “ilimitada” como enunciou Borges sobre a Babel; no outro, seremos só definitivos e limitados pelos muros abertos do labirinto de areia do deserto de informações.

Há, assim, pelo menos, dois modos de conhecer: aquele que nos abandona e nos perde na “planitude” da informação acumulada, tornando-nos sábios-sabidos; aquele que, mantendo-nos em estado de ignorância crítica ─ o que chamei em outro artigo de ignorância cultural (“Ciência e bem-estar cultural”) ─, nos leva a desconfiar da miragem benfazeja do conhecimento dado e nos põe em constante estado de alerta para o que vem pronto, plano e amiúde, vale dizer, os monumentos instantâneos das certezas passageiras.

Neste caso, é muito provável que todos não sejamos sábios; é certo, contudo, que teremos sabedoria. A sabedoria paradoxal que quanto mais aumenta, mais nos faz crescer em conhecimento e mais nos diminui o conforto passivo das situações objetivas e subjetivas de cada conquista ética e cultural.

Nesse sentido, conhecer é erguer-se para cair, se a saga do conhecimento seguir acompanhada de novas e sucessivas quedas.

Se o paradoxo não evita a queda, ajuda a evitar, contudo, a “planitude” monumental do ruído da informação.

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