Minha questão é saber como o ser humano pode viver melhor, e isso só a filosofia é capaz de responder...
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Como os gregos, nós hoje achamos que uma vida mortal bem-sucedida é melhor que ter uma imortalidade fracassada, uma vida infinita e sem sentido. Buscamos uma vida boa para quem aceita lucidamente a morte sem a ajuda de uma força superior." (Luc Ferry)

sábado, 31 de março de 2012

Reflexões sobre estar desconectado equivaler às vezes a "estar no inferno".

Essa palestra do filósofo L. Floridi explica aspectos de algo que ouvi outro dia: de que "estar desconectado hoje, especialmente na escola, faculdade, universidade, é pelo menos um pouco como estar no "inferno", na tristeza, na baixa de potência"; pelo menos quando esse "estar" desconectado resulta de uma restrição tecnológica, exclusão digital, i.e. de uma imposição ao indivíduo. Pois é claro que a pessoa é livre para escolher estar ou não em um meio-ambiente exclusivamente, ou mais ou menos, natural e limitado em relação à tecnologia ou culturalmente (assumindo-se uma divisão ontológica entre cultura e natureza).

Fato é que, de 20 anos para cá, nosso meio ambiente vem mudando cada vez mais rapidamente com as TICs. Se aceito o pensamento de Heidegger apresentado abaixo, esse novo meio-ambiente também nos transforma. Ele pode nos dizer fortemente algo sobre nós mesmos. Por exemplo, podemos nos descobrir como "inforgs", acrônimo usado por L. Floridi para designar "organismos informacionais". 
Vou tentar me basear no pensamento de Heidegger para fundamentar melhor o que eu quis dizer com a brincadeira do "inferno" a que me referi acima. Pois, até onde eu pude entender, esse filósofo tentou mostrar, em sua obra "Ser e Tempo" o que é o próprio do Ser do ser-humano (e com isso fundamentou boa parte do existencialismo do Sec XX, influenciando pensadores como H. Arendt, J. P. Sartre, Merleau-Ponty, P. Ricoeur, M. Levinas e incontáveis outros desse mesmo peso). 
Para tanto ele partiu metodologicamente de uma fenomenologia profunda do Ser. Ele se pergunta para sí mesmo "o que é o Ser"? vai então anotando suas impressões, como prescreve a fenomenologia do ponto de vista metodológico.
Em um contra-ponto com o platonismo metafísico e o racionalismo da modernidade (inaugurado por Descartes), explica o filósofo que o Ser é um ser-ai ("dasein"), um ser-no-mundo; um ser-temporal. O Ser é constituido historicamente. Ele nasce, vive e morre e isso ocorre também embebido por uma época, por um período histórico. Ou seja, segundo Heidegger, o Ser não é uma essência estática, independente do tempo e do espaço. O Ser não se posicionaria fora desse mundo, e por isso não lhe possível colocar em perspectiva (da razão pura) o universo que ele habita. Como geralmente se entendia no campo da ciência e da metafísica desde Platão e sua teoria das ideias/formas/universais. Segundo Platão todas as coisas ou entes no mundo são explicados por suas respectivas essências imutáveis, a-temporais e não-espaciais, porém concretas! mais até do que os particulares, indivíduos, entes. Para Platão o conhecimento não seria possível de outra forma, já que deve ser mais do que a mera percepção pelos sentidos. A noção platônica de conhecimento envolve a nossão de verdade e verdade é o isomorfismo entre o mundo das formas/ideias e o mundo real. 
Contrapondo-se a ninguém menos que Platão, Heidegger desvela uma compreensão possível do ser humano que passa a ser visto como possibilidades de abertura para um fundo sem fim, ou um horizonte universal aberto. O Ser passa a ser entendido então como essa própria possibilidade de abertura. 
Essa nova forma de pensar o Ser tem implicações profundas. Por exemplo, ela implica um novo entendimento da noção de verdade. A verdade passa a ser não a adequação entre o julgamento das ideias e o estado do mundo, como num cenário onde o sujeito observa o objeto que lhe é transcendente ou externo, mas como o desvelamento contínuo e sem fim do mistério do universo pelo sujeito, na presença do próprio Ser do sujeito. 
Mas o Ser não é o sujeito propriamente, tal como normalmente é entendido em geral. O Ser é o universo que engloba também o Ser do sujeito. Para Heidegger, o Ser é essa abertura do sujeito para o Ser do universo, juntamente com o próprio universo, formando um só Ser. Essa abertura que é o Ser, o autor denomina "Dasein"; que, em alemão, significa algo como "ser-aí"; um neologismo criado por Heidegger para expressar essa nova nova conceituação de Ser. 
Conforme sua abertura, o Dasein é mais ou menos permeável ao Ser do mundo, que por sua vez inclui os outros seres e entes humanos e não humanos, todo o universo. Além disso, se o Ser é ser-no-mundo, ele é essencialmente temporal. Ele é a partir da história de sua própria existência, no seu meio ambiente, histórico-cultural e natural. 

Vejamos as implicações desse pensamento para a época de hoje. Que implicações tem essa conceituação do Ser por Heidegger, para o entendimento mais profundo do mundo contemporâneo? Para o entendimento da sociedade da informação, abarcada e "embebida" pelas TICs? 

Ora, quando a parte cultural do mundo que engloba o Ser se virtualiza, é claro que o meio-ambiente cultural do Ser não se reduz mais ao mundo físico. Pode-se esperar que pelo menos uma parte do Ser passe a existir também em uma nova dimensão virtualizada (o mundo virtual da internet/web). 
Ocorre também que a existência nessa nova dimensão predispõe os sentidos do Ser à uma expansão. Por exemplo, muitos consideram seu notebook uma extensão de sua memória, do seu corpo, de sua sensibilidade social etc. é de se esperar que constitua-se assim, com o passar do tempo, um certo sentido expandido ou até, melhor dizendo, um outro sentido adicional, um "sexto sentido" do Ser. 
Pode-se considerar até como uma espécie de "sentido da informação", que o conecta ao mundo virtual e que se naturaliza com o passar do tempo. 
Por outro lado, vão existir também vários efeitos adversos que impactam o sujeito. Há pesquisas mostrando prejuízos do desenvolvimento cognitivo e redução da capacidade crítica, além de vários outros como a alienação, consumismo e dependência. 

Voltando ao início do texto, é aí que se poderia pensar que o fato de estar em um meio-ambiente desconectado, sobretudo para alguém dependente, pode passar a ser análogo à anulação de um dos sentidos do Ser, desse "sentido da informação". 
Extrapolando bastante (talvez nem tanto), pode-se dizer que essa perda seja até mesmo comparável ao que seria a perda de um nos sentidos naturais. Como se, em determinado espaço físico (uma bar, uma praça, uma escola) o Ser ficasse cego, surdo, sem paladar, olfato ou tato.  

Sugere-se que o "bem-estar" subjetivo hoje significa também poder articular-se no ideal de um novo meio-ambiente, em parte virtualizado, que permite e as vezes requer e exige a imersão do Ser na infosfera. 

Portanto, seguindo esse pensamento, acho que será difícil para uma instituição como a escola hoje atrair alunos se esses mesmos alunos têm a sensação de ter o seu sentido da informação bloqueado, logo quando eles mais necessitam dele, no momento do aprendizado, da intelecção. A angústia que gera essa necessidade não satisfeita, seria talvez responsável pela impressão ou sensação de ir para, ou estar no "inferno"... passar algumas horas desconectados tendo aula com professores que, às vezes, dão a impressão de ter parado no tempo, há mais de 20 anos.

Claro que alguns indivíduos irão utilizar a conexão para fugir do mundo físico e se alienar, mesmo que momentaneamente, caso este não o satisfaça por uma razão ou outra (fuja para o facebook por exemplo). Mas, numa concepção mais libertária da educação, essa fuga é prerrogativa de liberdade. Não parece haver muito o que fazer, pois o Ser é livre para escolher sua vida a cada momento da existência. 
Pirâmide informacional
Aqui parece haver matéria para se pensar também várias outras questões fundamentais: como a questão da educação (grau de autoridade e hierarquia x liberdade necessária para originar o novo); a questão ética na sociedade da informação e a ética da informação. 

Na sociedade da informação parece existir, cada vez mais, uma pressão sob a dimensão ou ordem da ética. Dimensão representada esquematicamente pelo 4o. andar da "pirâmide informacional" (dado > informação > conhecimento > sabedoria). 

Quando tudo se transforma em sistema de informação, parece haver uma pressão social que vem de baixo para cima na pirâmide informacional. Como forças que, se por um lado impelem ou obrigam o Ser a uma existência mais moral e ética, por outro aliena e confunde tantos outros. 

Costumo dizer que, na sociedade da informação, quem sobe no palco é a ética. Mas esse fenômeno ainda não está tão claro e articulado em minha mente. Há vários efeitos adversos decorrentes da ubiquidade da informação que precisam ser mais amplamente discutidos.

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