Minha questão é saber como o ser humano pode viver melhor, e isso só a filosofia é capaz de responder...
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Como os gregos, nós hoje achamos que uma vida mortal bem-sucedida é melhor que ter uma imortalidade fracassada, uma vida infinita e sem sentido. Buscamos uma vida boa para quem aceita lucidamente a morte sem a ajuda de uma força superior." (Luc Ferry)

sábado, 11 de junho de 2011

Por uma política do pior. Brasil sem miséria! A social democracia entre o conservadorismo e a utopia.

"La politique n’est pas là pour faire le bonheur des hommes.
Elle est là pour combattre le malheur"

Comte-Sponville
A sugestão não é que se "busque o pior", como diz o dicionário, "para dele tirar partido!". Essa seria a pior das políticas. Esperar o melhor do pior é ainda esperar o melhor, e é por isso que a política do pior, nesse sentido tradicional, não passa de mero otimismo. Afinal por que o pior não perduraria? Seria a política mais ineficaz para um povo (Tiririca: pior não fica?). A história revela que não são os mortos de fome que fazem as revoluções, nem os mais miseráveis que triunfam da miséria.

No sentido tomado aqui, trata-se de uma política que em vez de querer realizar o melhor, se atribui a tarefa de enfrentar o pior. Ou seja, uma política, não do melhor regime possível, como ideal ou utopia, mas do maior mal real, como obstáculo a vencer; problema a superar.

Quando se renuncia à utopia, pode-se acreditar que não há mais nada a fazer senão conservar o que existe, isto é, gerir a sociedade existente. Essa tentação tão fortemente percebida na política do PSDB é uma posição tão mortal quanto a posição utópica. É necessário conservar e transformar, toda política atua entre esses dois polos; é o que dá sentido à oposição entre os conservadores e os progressistas. Compreende-se que os que mais sofrem com a sociedade atual tenderão a ser progressistas, assim como os que mais benefícios nela encontram tenderão a ser conservadores.

Saber o que queremos é menos saber qual seria a melhor sociedade possível (utopia) do que saber o que há de pior na sociedade real que queremos mudar. Trata-se portanto de opor o conhecimento do real à imaginação do ideal e a urgência do pior à espera do melhor. A política do pior, nesse sentido, não busca o pior, claro, mas pára de negá-lo ou de imaginá-lo anteriormente derrotado: ela o vê, ela o pensa, ela o enfrenta. É o contrário da utopia e o antídoto do idealismo. Na medida em que prentende conjugar o verdadeiro e o bem (o que só ocorre em Deus), o idealismo abre caminho para a religião na política, e toda religião, dizia Lucrécio, é portadora de crimes.

A política do pior não se contenta portanto apenas em conservar ou administrar mas também transformar: não se trata de realizar (utopia) ou de manter (conservadorismo) a melhor sociedade possível, mas de transformar a sociedade real mediante a supressão ou a redução do pior. 

A gestão é uma grande necessidade. As grandes necessidades, no mais das vezes, são pequenas coisas, mas que nem por isso são menos necessárias... A questão que se coloca a nossos dirigentes é a seguinte: a gestão, muito bem; mas é o que você faz com o pior? Ao enfatizar a importância da gestão e contentar-se em ser bom gestor (programa "Choque de Gestão" em Minas), faz-se a política do "menos mal". Enquanto isso, o governo petista faz a política do "pior" (bolsa família, brasil sem fome etc.) e, aos poucos, vai tranformando a sociedade brasileira.

Política do pior: política do saber, da vontade e da ação! É o contrário da utopia, que é a política da imaginação, do desejo e da esperança. Pelo menos no seu início. Depois, ao fracassar ou querendo se realizar, se submete por sua vez às exigências da política. E o sonho torna-se então pesadelo. É preciso sonhar, tudo bem; mas não tomar o sonho por um conhecimento nem, principalmente, por um programa. A política do pior supõe que não confundamos nossos sonhos com a realidade.

Mas e concretamente? Como é essa política do pior? Ela já era uma política do real na França de Simone Veil, em 1975. A lei Veil é um forte exemplo da política do pior. Não importa o que se pense do aborto, do ponto de vista moral, essa lei é hoje um quase consenso naquele país (à parte a extrema direita).
Com efeito, ninguém pode decidir no lugar das mulheres ou dos casais envolvidos, sobre esse tema.
Uma lei como essa é o contrário de uma utopia: todo aborto é um fracasso; todo aborto é uma desgraça. Na melhor das sociedades possíveis, o aborto não existiria: o amor e a contracepção bastariam. Muito bem, mas deveríamos então esperar? A questão é menos saber como uma sociedade ideal lidaria com o aborto (já que numa sociedade ideal a questão nem se colocaria), mas o que se considera pior: abortos clandestinos, com o risco que se sabe, ou abortos descriminalizados praticados no ambiente hospitalar? em vez de esperar ou prometer o melhor possível (o desaparecimento do aborto!), suprimiu-se a pior realidade (o aborto clandestino!). Isso é o que se chama mudar, e é para isso que serve a política.

Outro exemplo, a Renda Mínima de Inclusão (implantada na Dinamarca em 1933 e França em 1988). De novo, é o contrário de uma utopia: numa sociedade ideal, haveria nem miseráveis nem excluídos, logo ninguém a incluir. Seja. Mas vamos esperar? Podemos? Devemos? Em vez de sonhar ou anunciar uma sociedade em que a miséria teria desaparecido (o futuro radioso, a justiça, a prosperidade...), os deputados desses países preferiram enfrentá-la como tal e considerar que ela fazia parte, na sociedade, do que havia de pior. Política não do melhor possível, mas do pior real.
Não que isso resolva tudo, nem que não se podia fazer melhor. Constato que essas leis mudaram efetivamente alguma coisa, no sentido correto, e que elas são nisso, um exemplo da utilidade da política. A política não serve para administrar (muito embora não haja política sem gestão), mas para mudar (ou, conforme o caso, para combater a mudança), e isso é uma coisa que um administrador faz dificilmente.

A "política do pior" não deve ser confundida portanto, com uma "política do mal menor", se se entender por isso uma política que se contentaria com não agravar a situação (quando se trata evidentemente de melhorá-la) ou com não fazer o pior (quando se trata não apenas de não fazê-lo mas de enfrentá-lo). Uma política do mal menor seria o menos possível de política (uma política da menor política!) e o triunfo, novamente, da pura gestão. Uma política do pior, ao contrário, é necessariamente uma política da transformação (trata-se de não mais suportar o pior), o que supõe um "plus" de política: é sempre necessário mais vontade e combates para transformar do que para administrar. Mas esse "plus" é a própria política, ou pelo menos o que lhe dá sua urgência e sua dignidade.

Texto inspirado a partir de "Uma política do pior? (O socialismo entre conservadorismo e utopia) de Comte-Sponville"

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