Minha questão é saber como o ser humano pode viver melhor, e isso só a filosofia é capaz de responder...
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Como os gregos, nós hoje achamos que uma vida mortal bem-sucedida é melhor que ter uma imortalidade fracassada, uma vida infinita e sem sentido. Buscamos uma vida boa para quem aceita lucidamente a morte sem a ajuda de uma força superior." (Luc Ferry)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Banquete de Platão - ou "a propósito do Amor".

Falando de Amor, vamos iniciar pela história contada no livro Banquete de Platão - ou, "a propósito do Amor".
Amor. Que tema é esse senão o mais importante de todos? com efeito o Amor é o mais importante dos temas. Os outros só são impotantes na medida do amor que atribuimos a eles. Gosto de falar do trabalho se amo meu trabalho, gosto de falar de esportes se amo esportes. Em "O Banquete" Platão fala através de vários discursos. Cada convidado diz o que pensa sobre o Amor. Os convidados ao Banquete partilham o tema que mais importa: o Amor.

No Banquete, o Amor de Aristophane, um dos convivas, é explicado pelo mito dos ancestrais andróginos da raça humana. O mito diz que os humanos eram seres diferentes daqueles de hoje; eram seres com duas cabeças, quatro braços etc. e dois sexos. Alguns possuiam dois sexos masculinos, outros um masculido e outro feminino, outros ainda com dois sexos femininos. Esses seres, em sua completeza potente, principalmente daqueles que possuiam dois sexos masculinos, tentam subir aos ceus e ameaçar os deuses. Zeus se enfurece então e manda cortá-los ao meio, como penalidade por terem pensado poder se aproximar dos deuses. Cortados, separados, sentiam falta de sua outra metade. Esse mito simboliza o amor ideal, aquele que busca a sua outra "metade", a outra metade de cada um... Por aí Aristophane diz que o Amor é o encontro de dois seres que, separados à força no passado, se tornam um novamente, fundidos pelo Amor. Amor como fusão. Fusão de seres que eram unos e que, atrozmente, no tempo, foram separados pelos deuses. É curioso que este tenha sido, dentre todos, o discurso que a tradição mais reteve. É o Amor compreendido como Amor Romântico, o amor ideal, com o qual todos nós sonhamos, principalmente na juventude. Esse é o Amor conforme o discurso de Aritophane, nas palavras de Platão em "O Banquete".

Mas há também o discurso de Sócrates, menos lembrado no tempo, mas também presente no livro em questão. Sócrates inicia por uma pergunta: seria o Amor esse ideal de perfeição de Aritophane? seria o Amor um Deus? Ele conta então aos convivas que teria aprendido de uma sábia mulher (chamada Diotime) que o Amor não é nem um deus nem homem. São palavras que Platão, autor do livro, coloca na boca de Socrates. Segundo Diotime o Amor seria mais como um intermediário, ou seja, um "deamon" (nada a ver com demônio) que transmite mensagens entre humanos e deuses.

Não um deus, porque para Socrates, a equação que explica o Amor é: Amor = desejo = falta. Amamos o que nos falta... a falta gera o desejo, que gera o amor, pela coisa que nos falta. Como pode um Deus sentir falta de algo? definitivamente, o Amor não é um deus. Não pode ser. Falta; sentimento demasiado humano: "Ah como eu seria feliz se ela me amasse, ele diz a si mesmo, se ela fosse minha". Mas e se ele fosse, ou estivesse, feliz? ele não a amaria mais, ou não seria o mesmo tipo de amor. Trata-se aqui não do Amor idealizado por Aristophane, mas do Amor como desejo e como falta. Nas palavras de Aritofane e Sócrates aparece o Amor Platônico então: do ideal primeiro da fusão, depois necessariamente à falta, Eros... o amor possessivo. Amor pelo outro ou amor por sí próprio? A paixão... mas há a vida e há o tempo, e no momento faltal o marido vilão mata o príncipe encantado, como na música de Claude Nougaro: "... Et le moment fatal où le vilain mari tue le prince charmant..." (Une Petite Fille).

Existiria uma saída para esse Amor?
André Comte-Sponville, no seu Pequeno Tratado das Grandes Virtudes (aqui está uma boa resenha), nos ensina que Platão, no Banquete, sugere duas saídas. Entrentanto, segundo Sponville, nenhuma das duas nos salva de nossa dificultosa vida amorosa. O que é amar? É ter falta daquilo que amamos e desejar o possuir, e para sempre. Pelo que o Amor é egoísta, ao menos esse Amor, Eros. Sempre buscando fora de si mesmo, do seu interior, amor extásico (extático?): a éxtase de si no outro.
Mas como possuir para sempre, se há a morte. E amar o quê, se só amamos na falta?

Ainda seguindo Sponville, Platão propõe então "a concepção/gestão (l'enfantement) no belo", através do corpo ou através do espírito. Dito de outra forma: pela criação e pela procriação, pela arte e pela família. "A natureza mortal procurará sempre a sua perpetuação, eternidade, imortalidade". O amor é a própia vida, mas apenas na perpétua falta de si mesma. Assim o amor não escapa à falta absoluta que na condição de gerar filhos ou obras de arte. Filhos... e chamamos família, procriação (criação pelo corpo). Arte... e chamamos criação (pelo espírito).
Para Sponville é talvez uma saída, mas não a salvação, a morte ainda espreita, que leva nossos filhos e nossas obras. Mas e se a família não bastar para salvar o amor, o casal o fará? não é o mais frequente, como todos nós sabemos. Quanto à criação, como pode esta salvar o amor se dele depende? e mesmo se não dependesse?

Lendo Sponville aprendemos que Platão sugere, então, outra saída: a ascenção espiritual por uma espécie de percurso "iniciático" que nos levaria à salvação. É o percurso do Amor e da salvação pelo Belo. Seguir o caminho do Amor, sem se perder nele, sem se prender nele: primeiro amar um corpo belo, por sua beleza, depois todos os corpos belos, pela sua beleza em comum, depois a beleza das almas, em seguida a beleza que está nas ações, a beleza das ciências e da filosofia ... enfim, a beleza absoluta, eterna, sobrenatual, aquela do Belo em si, que existe nele mesmo, para ele mesmo, a que todas as coisas belas participam, de onde elas possuem e recebem sua beleza... Sponville nos diz que este é o lugar onde o Amor nos leva, que nos salva e que o salva. Assim o Amor é salvo pela religião, eis o segredo de Platão.
Sempre tendendo para aquilo que nos falta mais: que é o Bem (manifestado pelo Belo), a transcendência, que é Deus, para enfim saciado, enfim calmo, enfim morto e feliz.
Aqui os míticos dirão: "não há nada além de Deus". Mas se o Amor não é um Deus, ou se Deus não é Amor, para quê Deus?
Como explica Sponville, aqui é preciso deixar Platão. No Banquele ele nos leva do sonho da fusão (Aristophane), à experiência da falta (Socrates), depois, e da falta à transcendência (Diotime). Paramos aí? somos capazes?, conseguimos mesmo crer? podemos aceitar? Os cristãos dirão SIM, sem dúvida, e vários passarão da "agua de rosas" à "agua benta", como diz Comte-Sponville. Nem todos entretanto... não os amantes que elaboram certamente, pois esses sabem que precisam salvar o amor. O amor neles, para eles, Deus não o fará por eles. De que vale a fé, se não sabemos amar? Para que ela serve se sabemos?
Mas a verdade é que não sabemos, claro. E é o que tantos casais não cessam de experimentar, dolorosamente, dificilmente. Que os condena à separação ou que a justifica. "Como amar sem aprender e como aprender sem amar?".

Claro, existem outros tipos de amor. Mas esse é o mais forte, o mais violento, o mais rico em sofrimento, em ilusões e desilusões... Eros é o nome desse amor. "A falta é a sua essência, a paixão o seu pico" (Sponville). Falta, sofrimento, posseção: "Eu te amo, eu te quero". Amor concupiscente, mal de amor. Sentimento possessivo, ávido, que ao invés de se regozijar na felicidade do outro, sofre atrozmente assim que tal felicidade o leva para longe. É amar o outro para seu próprio bem a si mesmo.

Nada a ver com virtude, muito mais com raiva. "Você ainda me ama?", e se responde: "sim claro". Mas a verdade é que o ser amado não lhe falta mais. Eros se acalma, se entedia. Tem-se o que faltava, e a isso ironicamente chamamos de: "casal". Mas há casais felizes e Platão não explica. Afinal, a felicidade não põe fim à paixão? a paixão só dura no sofrimento. O Amor romântico: obseção pelo sofrimento. "Vitória da paixão sobre o desejo/ação, da morte sobre a vida". Romeu e Julieta, Anna Karenina, Tristão e Isolda, apenas para falar desse amor na grandeza... mas quantas Mme Bovary para cada Isolda? Claro que o tédio vem facilmente no dia-a-dia do casal, e de forma bem mais corriqueira, pequena.
Mas seria esse o único tipo de Amor de que somos capazes? No seu livro "O Pequeno Tratado das Grandes Virtudes", Sponville descreve de forma bela as virtudes... mas que virtude é essa que nos leva ou ao sofrimento ou a religião? No próximo post quero falar sobre o Amor Philia (que vai além do Amor Eros, e aquém do Amor Agapè), ainda seguindo as palavras do Mestre Sponville.

Falando do amor Philia, adianto que a questão pode ser colocada da forma seguinte: Espinoza nos ajuda a substituir o termo: "falta", na equação de Sócrates descrita acima, pelo termo: "potência". Assim, segundo Espinoza, o amor não é falta, mas é potência. Potência de amar, ou para amar. Como quando sentimos a sensação de apetite, por exemplo (apetite: potência para experimentar e apreciar o alimento, que não falta, que está à mesa); como também a sensação de amar, de fazer amor, com a mulher amada, que não nós falta, que está alí, todos os dias e com quem compartilhamos a vida. Ou seja, com um pouco de sabedoria pode-se "subir" do amor platônico e alcançar o amor espinozista. Num sentido oposto, pode-se também, claro, "descer" até Schopenhauer: "a vida humana é um pêndulo, que oscila da falta ao tédio".

Mas isso é assunto para continuar em um próximo post. Enquanto não encontro tempo, compartilho já aqui uma resenha muito bem feita sobre esse livro que procuro manter sempre por perto.

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