Minha questão é saber como o ser humano pode viver melhor, e isso só a filosofia é capaz de responder...
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Como os gregos, nós hoje achamos que uma vida mortal bem-sucedida é melhor que ter uma imortalidade fracassada, uma vida infinita e sem sentido. Buscamos uma vida boa para quem aceita lucidamente a morte sem a ajuda de uma força superior." (Luc Ferry)

segunda-feira, 16 de maio de 2011

"As pessoas ainda não foram terminadas..."


Rubem Alves nos revela, no texto logo abaixo, o que eu considero uma das essências do Cristianismo. Essa mesma essência que enxergo também na voz de Cristo, na cruz. Citando o psaumista: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?" Nessa frase, consubstanciando a Trindade, Jesus, iluminado pelo Espírito Santo e dirigindo-se ao Pai, revela sua face mais humana. Depois disso, nós Cristãos não mais nos esqueceremos de que ainda não fomos terminados. E que a missão é toda nossa. Pelo que me concerne, vivo essa missão na desesperança. Sem esperar alcançar, no breve horizonte da minha curta vida, um produto final, terminado.
Muito bem. Contudo, no texto abaixo de sua autoria, Rubem Alves, esse grande autor, tão querido por mim e por todos nós, comete, um erro. Ele distingue o Ser/Sabor do Conhecer/Razão, mas os separa. E no que os separa, erra. Me explico melhor: por que distinguir separando?
Como sabemos, na análise intelectual do entendimento, o homem sempre busca distinguir, mas o faz tão somente para melhor entender o fenômeno. Na análise ele compreende melhor cada conceito, distinguindo-os, mas não deixando de abraçar os dois, ao mesmo tempo e juntos. Ensinara-me um padre jesuíta que a relação entre a razão prática e a razão pura é dialética em sua essência. Sim, e graças a isso, podemos distinguir os dois, para entende-los melhor, com nossa inteligência humana. Mas distinguir separando, para elaborar isoladamente cada um deles? Poderia revelar tal engenho, certa tendência sofística?
Que não se entenda mal. Não intento criticar a genialidade do texto abaixo, quis apenas pontuar minha opinião. Aliás, não é esse o ponto relevante no texto que se lê abaixo.
Continue sendo grande, meu querido Rubens Alves, nos iluminando com seus livros! Sugiro, com  máxima humildade, apenas que cuide mais ao afirmar que "o cientista ensina o poder" e que, para ele, o "silêncio é espaço da ignorância"...  Eu sou apenas um dos que não os reconhece dessa forma, não todos. Nem todo cientista é sábio, todo cientista é humano. Mas deixo a pergunta: quantos sábios são cientistas? Esse tipo de incompreensão entre ciência e filosofia levou Feyerabend a dizer "O amor torna-se impossível para as pessoas que insistem na objetividade, isto é, que vivem inteiramente de acordo com o espírito da ciência." A esse propósito, o leitor pode ver minha crítica ao livro "Imposturas Intelectuais" de Alan Sokal & Jean Bricmont.


"As pessoas ainda não foram terminadas..." 
Porque nosso DNA é incompleto, inventamos poesia, culinária...por Rubem AlvesAs diferenças entre um sábio e um cientista? São muitas e não posso dizer todas. Só algumas.
O sábio conhece com a boca, o cientista, com a cabeça. Aquilo que o sábio conhece tem sabor, é comida, conhecimento corporal. O corpo gosta. A palavra "sapio", em latim, quer dizer "eu degusto"... O sábio é um cozinheiro que faz pratos saborosos com o que a vida oferece. O saber do sábio dá alegria, razões para viver. Já o que o cientista oferece não tem gosto, não mexe com o corpo, não dá razões para viver. O cientista retruca: "Não tem gosto, mas tem poder"... É verdade. O sábio ensina coisas do amor. O cientista, do poder.
Para o cientista, o silêncio é o espaço da ignorância. 
Nele não mora saber algum; é um vazio que nada diz. Para o sábio o silêncio é o tempo da escuta, quando se ouve uma melodia que faz chorar, como disse Fernando Pessoa num dos seus poemas. Roland Barthes, já velho, confessou que abandonara os saberes faláveis e se dedicava, no seu momento crepuscular, aos sabores inefáveis.
Outra diferença é que para ser cientista há de se estudar muito, enquanto para ser sábio não é preciso estudar. Um dos aforismos do Tao-Te-Ching diz o seguinte: "Na busca dos saberes, cada dia alguma coisa é acrescentada. Na busca da sabedoria, cada dia alguma coisa é abandonada". O cientista soma. O sábio subtrai. 
Riobaldo, ao que me consta, não tinha diploma. E, não obstante, era sábio. Vejam só o que ele disse: "O senhor mire e veja: o mais importante e bonito do mun­do é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando..." É só por causa dessa sabedoria que há educadores. A educação acontece enquanto as pessoas vão mudando, para que não deixem de mudar. Se as pessoas estivessem prontas não haveria lugar para a educação. O educador ajuda os outros a irem mudando no tempo.
Eu mesmo já mudei nem sei quantas vezes. As pessoas da minha geração são as que viveram mais tempo, não pelo número de anos contados pelos relógios e calendários, mas pela infinidade de mundos por que passamos num tempo tão curto. Nos meus 74 anos, meu corpo e minha cabeça viajaram do mundo da pedra lascada e da madeira - monjolo, pi­lão, lamparina - até o mundo dos computadores e da internet.
Os animais e plantas também mudam, mas tão devagar que não percebemos. Estão prontos. Abelhas, vespas, cobras, formigas, pássaros, aranhas são o que são e fazem o que fazem há milhões de anos. Porque estão prontos, não precisam pensar e não podem ser educados. Sua programação, o tal de DNA, já nasce pronta. Seus corpos já nascem sabendo o que precisam saber para viver.
Conosco aconteceu diferente. Parece que, ao nos criar, o Criador cometeu um erro (ou nos pregou uma peça!): deu-nos um DNA incompleto. E porque nosso DNA é incompleto somos condenados a pensar. Pensar para quê? Para inventar a vida! É por isso, porque nosso DNA é incompleto, que inventamos poesia, culinária, música, ciência, arquitetura, jardins, religiões, esses mundos a que se dá o nome de cultura.
Pra isso existem os educadores: para cumprir o dito do Riobaldo... Uma escola é um caldeirão de bruxas que o educador vai mexendo para "desigualizar" as pessoas e fazer outros mundos nascerem...


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